Título: Multinacionais disputam na China a grande batalha do capitalismo global
Autor: Grinbaum, Ricardo
Fonte: O Estado de São Paulo, 06/05/2007, Economia, p. B18

O primeiro executivo da Philips chegou a Pequim em 1978, quando não havia hotéis nem advogados na cidade. Sua missão era aproveitar os primeiros sinais de abertura na economia comunista, dados pelo primeiro-ministro Deng Xiaoping. Em pouco tempo, a Philips começou a vender aparelhos de TV, mas o único jeito de divulgar a marca era um programa nas noites de sábado, apresentado por um executivo holandês alto, desengonçado e meio vesgo, que ficou conhecido como 'Mr. Philipo'.

A aventura mudou a história da Philips. Quase 30 anos depois, a maior fabricante de equipamentos eletrônicos européia está viciada na China. Com 35 empresas no país, a Philips depende da China para baixar custos de produção e conquistar consumidores. O país já é o terceiro mercado da Philips, atrás de Estados Unidos e Alemanha, e ganha terreno rapidamente.

'O campo de batalha para as grandes empresas multinacionais não é mais a Europa ou os Estados Unidos', diz Pieter de Haan, vice-presidente sênior da divisão de Lighting da Ásia oriental, sediada em Xangai. 'Os vencedores e perdedores do capitalismo global serão definidos no território chinês.'

O tom grandiloqüente do executivo da Philips não é mero recurso de retórica. Recentemente, a Comissão Européia mudou a abordagem sobre a economia chinesa. Em vez de adotar um discurso de confronto e ameaçar levantar barreiras comerciais contra as mercadorias baratas da China, como fazem os Estados Unidos, a Europa está cada vez mais conciliadora. Sua prioridade não é mais barrar as exportações chinesas, mas facilitar a vida das empresas européias em território chinês.

'A Europa vê a China não mais como ameaça, mas como uma oportunidade e um desafio', diz Leila Fernandez-Stembridge, conselheira econômica da Comissão Européia, baseada em Pequim. 'Nossa política é do ganha-ganha, temos muitos investimentos na China.'

Trata-se de um reconhecimento diplomático de uma mudança de status da China. Se no início da abertura econômica era a China que estava se ocidentalizando, agora são as empresas ocidentais que estão se tornando orientais. Por trás de uma etiqueta 'Made in China' pode haver uma indústria emergente chinesa, mas também uma multinacional européia, americana ou japonesa.

De cada US$ 10 exportados pela China, US$ 6 saem de multinacionais. Em território chinês trabalham 12 mil empresas americanas, 6 mil européias e 3 mil japonesas. O Brasil tem menos de dez empresas com fábrica local, segundo o Conselho Empresarial Brasil-China.

Uma visita à fábrica da empresa suíça Mageba, de médio porte, em Xangai, ilustra bem como as companhias ocidentais estão cada vez mais dependentes da China. Depois de receber o grupo de visitantes à moda chinesa, com café, água e bananas, o executivo suíço mostra as instalações da fábrica de grandes peças para pontes: um galpão amplo, com poucas máquinas e muitos trabalhadores. Boa parte do serviço feito por equipamentos sofisticados na Suíça é executado à mão na China. Mas os chineses não contribuem só com trabalho braçal. Seis engenheiros recebem projetos feitos durante o dia na Suíça para completar em Xangai.

'Na Suíça, eles têm muito trabalho, não temos mais pessoal nem espaço. Agora fazemos o trabalho de design 24 horas por dia, aproveitando o fuso horário, e nossos custos trabalhistas são seis a oito vezes mais baixos do que na Europa', diz o executivo Pascal Savioz. Uma empresa como a Mageba gasta cerca de R$ 300 por mês com um operário. Um engenheiro sai por R$ 30 mil por ano.

A história da Mageba resume o que as multinacionais buscam na China. Elas não estão só atrás de mão-de-obra barata. 'Na Ucrânia, o custo é mais baixo', diz De Haan, da Philips. 'Mas aqui também temos estabilidade, um mercado em expansão, uma mão-de-obra eficiente e enorme fonte de inovação.'

Segundo Jaume Ribera, professor da IESE Escola de Negócios, da Universidade de Navarra, da Espanha, todos os anos 600 mil engenheiros se formam nas faculdades chinesas. Existem 10 mil laboratórios no país, bancados pelo governo. 'Ninguém sabe ao certo o que eles estão fazendo, mas certamente vêm coisas novas por aí.'

As multinacionais têm corrido para o país, mesmo diante das enormes dificuldades em fazer negócios na China. A história da Embraer é emblemática. Em 2002, a empresa se associou à estatal chinesa AVIC1 para montar uma linha de produção no país. A expectativa era fabricar dois aviões por mês, mas no início não passou de quatro ou cinco aviões por ano.

A Embraer enfrentou vários problemas, entre eles a oposição de pilotos a voar em aviões relativamente pequenos, em comparação com os modelos da Airbus e Boeing - além da resistência em abrir mão do treinamento em Paris, no caso da Airbus.

A Embraer reagiu com conversas com o governo - decisivo em negócios na China- e ações de marketing. Levou um avião de aeroporto em aeroporto para mostrar aos pilotos. Hoje a fábrica produz um avião por mês e dá lucro. 'Valeu a pena', diz José Carlos Passos Pröglhöf, gerente sênior do programa da família ERJ 145. 'Não há alternativa, precisamos estar na China.'