Título: Mão-de-obra despreparada
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 15/05/2007, Notas e Informações, p. A3
O Brasil não consegue formar profissionais especializados na quantidade e na qualidade exigidas pelo mercado de trabalho. Apesar do alto nível de desemprego no País, muitas empresas não encontram no mercado os profissionais com as qualificações requeridas para ocupar as vagas existentes. Algumas precisam transformar áreas de seus escritórios ou de suas fábricas em salas de aula para dar a seus empregados a formação necessária.
Este quadro não se circunscreve às indústrias de alta tecnologia. Faltam profissionais bem treinados até em áreas do comércio varejista, como mostrou reportagem publicada domingo no Estado. Uma das causas da escassez de trabalhador qualificado é a redução dos gastos em programas de formação e aperfeiçoamento de mão-de-obra.
Os recursos repassados pelos Ministérios do Trabalho e da Educação e pelo Sistema S (do qual fazem parte, por exemplo, Senai e Senac) para esses programas diminuíram como proporção do PIB brasileiro. Correspondiam a 0,39% do PIB em 1995, o que permitiu o atendimento de 6,1% da População Economicamente Ativa (PEA), e se reduziram para 0,33% do PIB em 2005 (R$ 7,1 bilhões), para treinar 5,2% da PEA. O governo Lula sempre proclamou que a preparação do trabalhador é uma de suas principais preocupações, mas os números mostram que, também neste caso, sua prática não corresponde ao seu discurso.
A redução proporcional dos recursos destinados a esses programas poderia ser compensada por uma aplicação mais eficiente do dinheiro. Programas de preparação de mão-de-obra executados em países desenvolvidos, como Bélgica e França, dispõem de recursos comparáveis aos dos programas brasileiros, mas os resultados são melhores. Aqui, o governo não aplica o dinheiro com a eficiência necessária.
Por causa de disputas entre diferentes áreas, as políticas públicas para a preparação de mão-de-obra não são articuladas entre si, não estão voltadas para as reais necessidades do mercado e, por isso, não conseguem suprir a demanda das empresas, daí resultando essa situação contraditória de desemprego elevado e vagas não preenchidas por falta de profissionais treinados. ¿Ainda prevalece a fragmentação institucional, o que leva a uma disputa entre os programas dos Ministérios e do Sistema S, sem atender ao perfil da demanda das empresas¿, diz o economista Márcio Pochmann, da Universidade Estadual de Campinas, autor do estudo sobre os investimentos na formação e qualificação de mão-de-obra no Brasil.
Falta ao País um sistema de ensino público profissionalizante atento à evolução da economia e capaz de identificar os setores que crescem mais depressa do que os demais e o tipo de mão-de-obra de que eles carecem, diz o economista. Até agora, segundo ele, a formação técnica é feita longe dos locais de trabalho e com poucos vínculos com a realidade do mercado. Por isso, antes de definir quantas novas escolas profissionalizantes serão construídas e quantas vagas serão ofertadas, o governo deveria procurar saber de que tipo de profissional o País terá necessidade nos próximos anos.
O Ministério da Educação elaborou um programa para o ensino técnico que prevê investimentos de R$ 1 bilhão na construção de 150 escolas técnicas nos próximos quatro anos. Para a localização dessas escolas, o Ministério da Educação usou a definição de cidades-pólo dos Ministérios da Agricultura e do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior. Segundo o Ministério da Educação, elas respeitarão a vocação econômica de cada região.
Numa época em que nunca o número de desempregados entre jovens (de 15 a 24 anos) foi tão alto (4,4 milhões de pessoas), há cerca de 200 mil vagas para serem preenchidas por candidatos de nível técnico. Premidas pela necessidade, muitas empresas privadas tratam de fazer aquilo que não é feito na escola. Sem encontrar no mercado profissionais com as qualificações requeridas para preencher as vagas abertas, elas empregam profissionais menos qualificados, para prepará-los por meio de estágios e cursos, para funções que variam de açougueiro a engenheiro aeronáutico, como mostra a reportagem citada no início deste editorial.
É a resposta da iniciativa privada ao descompasso entre o desenvolvimento econômico e a evolução do ensino técnico.