Título: A nova onda de fusões
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Fonte: O Estado de São Paulo, 15/05/2007, Notas e Informações, p. A3

As últimas fusões e incorporações de empresas, por causa da magnitude dos valores envolvidos ou por estarem relacionadas a setores estratégicos da economia, levaram o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) a reforçar sua atuação para assegurar o livre jogo de mercado. A maior preocupação do órgão, que é a peça-chave do Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência (SBDC), é evitar que as empresas compradoras criem situações de fato, tornando os negócios irreversíveis e, com isso, inviabilizando uma eventual decisão contrária por parte do órgão antitruste.

O que explica esse boom de fusões e incorporações é a percepção das grandes empresas, que vêm reinvestindo seus lucros na aquisição de novas companhias, da importância do mercado brasileiro. Nos últimos quarenta dias, o Grupo Ipiranga foi vendido à Petrobrás, à Braskem e ao Grupo Ultra. No setor de transportes aéreos, a Gol incorporou a Nova Varig. Na área de telecomunicações, a Telefônica adquiriu o controle da Telecom Itália. O negócio mais recente ocorreu no setor de bebidas, com a venda da cervejaria portuguesa Cintra. Ela foi comprada por US$ 150 milhões pela AmBev, que controla 66% do mercado de cervejas e disputa o controle do mercado de refrigerantes com a Coca-Cola, que no início do ano comprou a Matte Leão.

Como a análise de cada uma dessas fusões e incorporações é complexa e lenta, o Cade está propondo a essas empresas a assinatura de um Acordo de Preservação de Reversibilidade da Operação (Apro). Por meio dessa medida, que é relativamente nova no âmbito da legislação concorrencial, elas se comprometem a manter as empresas adquiridas sob gestão separada e independente até o julgamento definitivo do negócio.

Com isso, as empresas compradoras não podem fechar fábricas, ficam proibidas de desativar marcas e têm de gerir de maneira autônoma as carteiras de fornecedores e clientes. Caso a fusão ou a incorporação seja vetada pelo Cade, por considerá-la prejudicial à concorrência, fica mais fácil desfazê-la. O primeiro Apro foi assinado pelo órgão em março de 2002, por ocasião do processo de compra da Biobrás pela Novo Nordisk. No começo de 2007, o Cade assinou um Apro com a divisão de motores do Grupo Mahle, um negócio que deu à empresa o controle de cerca de 88% do mercado de pistões.

No caso da venda do Grupo Ipiranga, o órgão antitruste, por temer que a Petrobrás aumentasse para mais de 50% sua participação no mercado de distribuição de combustível no Norte, Nordeste e Centro-Oeste, chegou a impor algumas restrições à atuação da empresa nessas regiões. No entanto, como a estatal pediu para negociar, o Cade concedeu um prazo para que ela apresente uma proposta de acordo. O órgão pretende assinar nos próximos dias um Apro com a AmBev e outro com a Gol. No caso da venda da Telecom Itália, a Telefônica se antecipou e informou ao Cade que as estruturas das empresas serão mantidas em separado.

A boa aceitação da figura jurídica do Apro por parte da iniciativa privada e as negociações feitas pelas empresas com os conselheiros do Cade dão a medida do quanto o País já avançou, em matéria de direito da concorrência. Mesmo assim, ainda há muito o que fazer. A legislação antitruste, que foi editada há 13 anos, quando o sucesso do Plano Real levou à extinção de monopólios públicos e à privatização de serviços essenciais, atraindo corporações mundiais e estimulando a formação de grandes grupos nacionais, precisa ser urgentemente modernizada. Ela foi um avanço para a época, mas o tempo mostrou que vários de seus procedimentos administrativos são excessivamente burocratizados, o que atrasa a avaliação dos atos de concentração e prejudica a iniciativa privada.

Nos últimos anos, foram apresentadas várias propostas para solucionar o problema. O projeto que desde 2004 tramita no Congresso incorpora algumas delas. A inovação mais importante é a que permite ao Cade realizar exame prévio das fusões e incorporações, que hoje são julgadas depois de realizadas. Como um sistema de defesa da concorrência eficiente é decisivo para que o País possa contar com uma economia competitiva, o Legislativo precisa aprovar o quanto antes esse projeto.