Título: Fazendeiro nega ser mandante de crime
Autor: Mendes, Carlos
Fonte: O Estado de São Paulo, 15/05/2007, Nacional, p. A8

No primeiro dia de seu julgamento, o fazendeiro Vitalmiro Bastos de Moura, o Bida, negou que tenha mandado matar a missionária Dorothy Stang. Ele afirmou que não teve nenhuma participação no crime, não tramou nem determinou que a religiosa fosse morta. Negou ainda ter relação com o intermediário do crime, Amair Feijoli da Cunha, o Tato. O julgamento deve terminar hoje à tarde.

Dorothy foi morta em fevereiro de 2005 em Anapu, no sudoeste do Pará. Ela tentava implantar na região um projeto de desenvolvimento sustentado, o que contrariava interesses de grandes fazendeiros. Três pessoas já foram condenadas pelo crime. Rayfran das Neves Sales, o Fogoió, autor dos seis tiros que mataram Dorothy, pegou 27 anos de prisão e seu parceiro Clodoaldo Carlos Batista, o Eduardo, 17 anos. Tato foi condenado a 27 anos como intermediário do crime, mas teve a pena reduzida para 18 anos, valendo-se do recurso de delação premiada, que beneficia acusados que colaboram dando informações no processo.

Fogoió estava no julgamento como testemunha de defesa de Bida. Em seu depoimento, isentou-o de envolvimento. Disse que se escondeu na propriedade de Bida e dele recebeu comida, mas nunca tratou do assassinato: ¿Matei porque me senti ameaçado pela freira. O Bida não tem nada com isso.¿ A promotoria reclamou que o pistoleiro estava contando, pela oitava vez, uma nova versão do crime.

Bida declarou ao juiz Raimundo Moisés Alves Flexa, que o interrogou, ter comprado uma fazenda de Tato em Anapu, embora ¿não tivesse nenhuma amizade com ele¿. O fazendeiro contou ainda que não estava foragido, mas temia por sua vida. ¿Foi por isso que me entreguei.¿

Seus advogados, Américo Leal e Eduardo Imbiriba, disseram que não há provas suficientes para condená-lo. Para eles, Bida não tinha interesse em matar Dorothy, que acusaram de ¿incentivar a prática de crimes¿ na região. Citaram o fato de ter sido protocolada ação do Ministério Público de Altamira contra a vítima por porte ilegal de arma e formação de quadrilha. A defesa alegou ainda que a acusação contra Bida, feita na polícia por Fogoió e Eduardo, foi obtida por ¿meios ilegais¿.

O promotor Edson Cardoso, responsável pela acusação, disse que a versão de Bida era frágil e não se sustentava ¿nem por um minuto de análise¿. ¿A verdade está começando a surgir aos poucos. No primeiro momento, os executores não apareceram, mas, quando se viram sozinhos, apareceram e começaram a contar o que sabiam.¿

Além dos depoimentos, no julgamento a promotoria mostrou um vídeo com a reconstituição do crime. A defesa apresentou fotos de manifestações contra Dorothy em Altamira, um ano antes do assassinato.

O juiz também interrogou o delegado da Polícia Federal Ualame Machado, que participou das investigações, e o delegado Valdir Freire, que à época do crime dirigia a Divisão de Investigações e Operações. Machado confirmou que Tato acusou Bida de envolvimento. Mas os dois disseram que nas investigações não ficou provada a existência de um consórcio de fazendeiros para pagar o assassinato.

A missionária americana Roberta Lee, que trabalhou com Dorothy em comunidades de agricultores no interior do Maranhão e no Pará, informou que a conhecia desde 1966. ¿O trabalho dela sempre foi em favor dos menos favorecidos¿, disse. Roberta afirmou que a vítima recebia muitas ameaças e esteve diversas vezes em Belém para denunciá-las, embora recusasse proteção policial.

Durante os depoimentos, do lado de fora do salão do júri, cerca de 600 trabalhadores rurais, vindos de vários municípios do interior do Pará, se manifestavam. Acampados na frente do prédio, eles oravam e pediam a condenação do acusado.