Título: Presidente tenta cooptar os socialistas
Autor: Lapouge, Gilles
Fonte: O Estado de São Paulo, 15/05/2007, Internacional, p. A12

O presidente eleito da França, Nicolas Sarkozy, tem pelo menos uma virtude: com ele, ninguém se aborrece. Ele inventa uma idéia por hora. Serve uma surpresa toda manhã. O jornalista que piscar os olhos mais lentamente se arrisca a perder um novo ¿número¿ do ¿mestre¿.

O achado de ontem é que Sarkozy, no momento em que forma seu primeiro governo, vai ¿fazer compras¿ entre os socialistas. Ele inaugurou um escritório não de arregimentação, mas de cooptação. Sarkozy gostaria que em seu governo brilhassem algumas estrelas socialistas. Nada de estrelas menores; estrelas de primeira grandeza, bem cintilantes.

Alguns nomes circulam, sobretudo três: Bernard Kouchner, Hubert Védrine e Claude Allègre. Kouchner seria uma bela presa: foi um dos fundadores da ONG Médicos sem Fronteiras - que nos anos 1970, em vez de exercer seu ofício em Paris ou Lyon, partiu para os locais de carnificina, primeiro para Biafra e depois para outros 20 países sofredores para tratar agonizantes, amputar membros, aliviar o horror.

Kouchner foi ministro da Saúde (socialista, claro), representante da ONU em Kosovo, lançou com estardalhaço a idéia do dever de intervenção em países massacrados por tiranias, etc. Corajoso e lírico, ele agrada aos franceses a ponto de ser um dos homens mais populares do país. Mas o Partido Socialista nunca lhe ofereceu um cargo digno do seu talento. Por quê? Popular demais, e um pouco narcisista, Kouchner gosta demais de si mesmo.

Para pôr um personagem como esse no bolso, Sarkozy não regateia. Ele oferece a esse socialista o mais cobiçado dos ministérios, o de Relações Exteriores. Kouchner deverá apresentar sua resposta o quanto antes.

Já Védrine foi um grande chanceler do socialista Lionel Jospin. Allègre, cientista de renome mundial, foi ministro da Educação do mesmo Jospin. Outros socialistas históricos, mas menos célebres, são cogitados.

A manobra tem um toque levemente irônico que não deve desagradar a Sarkozy: Kouchner é um ex-ativista do maio de 1968 e há dez dias Sarkozy, num discurso, criticou furiosamente o movimento de 68, qualificando-o como a origem de todas as decadências, acusando, de passagem, os rebeldes de 68 de terem traído seus ideais em nome do adesismo oportunista. A operação exaspera o Partido Socialista.

Ainda grogue depois da derrota de Ségolène Royal, a agremiação enlouquece ao ver seus melhores militantes corarem de prazer diante das manobras de Sarkozy. A direita, por seu lado, também assiste preocupada à aproximação de Sarkozy dos socialistas.

Nada diz que os socialistas sondados se deixarão seduzir. Mas ao menos Sarkozy mostra que tem conseguido captar a atenção, mostrar agilidade e indicar a seus inimigos que ele não é um demônio.