Título: O desafio do Paraguai
Autor: Barbosa, Rubens
Fonte: O Estado de São Paulo, 08/05/2007, Espaço Aberto, p. A2

No Paraguai, a animosidade contra o Brasil vem crescendo de forma perigosa.

São ressentimentos antigos, que se agravaram com as frustrações com os parcos resultados comerciais do Mercosul, com os problemas com terras ocupadas por ¿brasiguaios¿ e com o desinteresse por investimentos privados naquele país.

As vantagens decorrentes de facilidades de trânsito de mercadorias na fronteira, os benefícios da construção de uma segunda ponte ligando os dois países e da concessão de portos francos em Santos e Paranaguá são minimizados e ignorados.

Nos últimos meses, do ponto de vista do interesse brasileiro, surgiu um problema mais sério. Cresceu a pressão do Paraguai sobre o Brasil com o objetivo de forçar a revisão do Tratado de Itaipu, que é o instrumento jurídico que regula o aproveitamento das águas do Rio Paraná para a geração de energia elétrica utilizada pelos dois países.

A Hidrelétrica de Itaipu é o alvo ideal para o Paraguai, pois se trata de uma área sensível, que poderá ameaçar a segurança nacional pelo risco de interrupção do fornecimento de energia para o Centro-Sul.

Estimulado talvez pela reação tímida do governo brasileiro no tocante à nacionalização de duas refinarias da Petrobrás e ao aumento no preço do gás natural da Bolívia, o Paraguai poderá ser o próximo país vizinho a abrir um contencioso sério com o Brasil.

Altas autoridades do governo paraguaio e, mais recentemente, candidatos à presidência da República se manifestaram fortemente pela modificação do Tratado de Itaipu. Ameaçando levar o Brasil à Corte Internacional, o Paraguai pretende aumentar o preço da eletricidade excedente que vende ao País, quer vender esse excedente a outros países e reduzir o valor da dívida paraguaia com Itaipu.

Ao enfrentar essas questões, é importante não perder de vista que a cooperação energética entre os dois países é muito positiva para o Paraguai.

O preço da energia de Itaipu

Cada país tem direito a 50% da energia produzida. Como o Paraguai só consome pequena parte desse total, a diferença, conforme disposto no Tratado, só pode ser vendida ao Brasil. Os benefícios para o Paraguai dessa repartição são evidentes. Em 2006, o valor médio da energia adquirida pelo Brasil foi de US$ 31,2 por megawatt-hora (MWh), enquanto pelo Paraguai foi de US$ 18,2 por MWh, ou seja, os paraguaios pagam quase metade do que os brasileiros pela energia de Itaipu e dispõem hoje de uma das energias mais baratas do mundo.

O aumento do preço da energia excedente que o Brasil compra do Paraguai, descumprindo o disposto no Tratado, representaria um custo adicional para o setor produtivo e o consumo familiar e seria lesivo aos interesses nacionais.

Redução da dívida do Paraguai para com a Itaipu

O governo brasileiro, depois de rejeitar a proposta de troca de títulos da Eletrobrás e do Tesouro por bônus com juros menores, cedeu à pressão do governo paraguaio e, em março passado, autorizou a renegociação da dívida de Itaipu (cerca de US$ 19 bilhões). Como queriam as autoridades paraguaias, Brasília aceitou retirar a correção monetária do dólar americano nos contratos (¿fator de ajuste¿), o que significou a redução da dívida em mais de US$ 1 bilhão, com perda de receita para o governo brasileiro.

Embora Brasília tenha aceitado o congelamento dessa correção monetária, a Eletrobrás manteve na sua tarifa de repasse da energia de Itaipu uma parcela para manter os valores pactuados nos contratos de financiamento. Em outras palavras, a eliminação do ¿fator de ajuste¿, que favoreceu o Paraguai, não beneficia o Brasil. Na prática, a energia de Itaipu terá dois preços: um menor para os consumidores paraguaios e um maior para os consumidores brasileiros.

Royalties

O Tratado também prevê o pagamento de royalties pela energia gerada por Itaipu ao Brasil e ao Paraguai no montante de US$ 650 por gigawatt-hora e divididos em igual valor entre os dois países. Apesar de esses valores também serem reajustados, somente o Brasil continuará a pagar royalties com a correção monetária.

Incorporação de recursos à economia paraguaia

A partir de março de 2005, Itaipu passou a desenvolver programas de responsabilidade socioambiental e de desenvolvimento regional de maneira muito mais intensa no Paraguai do que no Brasil. Como esses custos estão incluídos nas tarifas e como cerca de 95% dos custos de Itaipu são assumidos pelo Brasil, o custo desses programas são quase totalmente cobertos pelo País.

Em 2006, Itaipu injetou diretamente na economia do Paraguai cerca de US$ 460 milhões, dos quais somente US$ 123 milhões foram originados por recursos tarifários aportados por esse país. Acrescente-se ainda a amortização, em 2006, do patrimônio referente à metade paraguaia da usina, que foi de aproximadamente US$ 900 milhões. O benefício líquido ao Paraguai já sobe a US$ 1,23 bilhão, representando 16% de um PIB de aproximadamente US$ 7,7 bilhões.

Itaipu tem sido altamente benéfica ao Paraguai que, sem nenhum investimento, será dono em 2023 de metade de uma das maiores usinas do mundo.

O Congresso Nacional deverá ser chamado a examinar a legislação que abateu a dívida paraguaia ao eliminar a correção monetária. Espera-se que seja promovida uma ampla análise das implicações dessa decisão tomada pelo governo brasileiro.

O Brasil não pode aceitar a politização desse assunto, como ocorreu com o gás da Bolívia. Itaipu sempre será relevante na relação entre Brasil e Paraguai. É o mais forte elo entre os dois países e o maior instrumento nessa relação.

Ao todo, 95,4% da energia gerada por Itaipu é vendida ao Brasil, o que representa cerca de 20% do consumo nacional. Por isso mesmo, o País deve defender sem rebuços o que é de seu interesse.