Título: Um direitista, com muito orgulho
Autor: Lapouge, Gilles
Fonte: O Estado de São Paulo, 08/05/2007, Internacional, p. A13

O que é novo na brilhante vitória de Nicolas Sarkozy não é o fato de que é um homem de direita. Salvo François Mitterrand, todos os presidentes franceses do pós-guerra foram de direita - Georges Pompidou, Valéry Giscard d'Estaing, Jacques Chirac. O que é inédito é que Sarkozy, sem complexo nem vergonha, se declara de direita. E tem orgulho disso.

Com voz emocionada, Sarkozy celebra os valores da direita: o trabalho, a honra, a pátria, a educação, a autoridade, a família. Se esta eleição marca alguma ruptura, é exatamente nessa reivindicação de uma direita tranqüila, de uma direita gloriosa, de uma direita conquistadora que não tem a consciência pesada.

A vitória de Sarkozy, portanto, ultrapassa o campo político. Ela simboliza uma transição histórica. Para entender isso, é necessário remontar à 2ª Guerra Mundial. Naquela época, a direita francesa, no inconsciente do país, estava associada ao hitlerismo. Era injusto, mas era assim. Além disso, a colaboração com os nazistas envolveu muita gente da direita. Mas, entre os resistentes, alguns também vinham da direita, da mesma maneira que alguns homens de esquerda cederam aos chamados do marechal Pétain. Certo ou errado, o fato é que a direita foi confundida com o colaboracionismo de Pétain.

DOGMA

Em 1944, o general Charles de Gaulle regressou de Londres vencedor, mas o que fez? Ele, o herói, o general de direita, para impedir que o país se dividisse, precisou se entender com o poderoso Partido Comunista. E foi nesse momento, nos anos do pós-guerra, que se forjou o dogma: a direita significava a submissão ao inimigo alemão, eram os valores de Pétain, lacaio dos alemães. 'Trabalho, família, pátria.' Esse era o lema do marechal. E, mesmo mais de meio século depois, ninguém na França ousava pronunciar essas palavras. Durante todas essas décadas, as afrontas mais atrozes foram: fascista, colaboracionista, pétainista. Tudo o que cheirava à direita era nauseabundo.

Disso resultou a posição esquizofrênica da direita francesa. Em vez de reivindicar orgulhosamente sua adesão a uma ideologia de direita, a direita se desculpa. Põe uma máscara de esquerda para tentar incutir seus valores de direita. Enfeita seus projetos conservadores com algumas lantejoulas humanitárias, participativas, sociais, etc.

O presidente Jacques Chirac, em fim de mandato, é o exemplo superlativo dessa falta de coragem. Ele, seguramente, é de direita, mas sempre que pode se desculpar por ser de direita e adotar uma medida de esquerda, fica radiante. Salta como cabrito. Mostra que é de 'esquerda', continuando a ser de direita. Assim, a França, depois de meio século, está condenada à falcatrua. Finge ser de esquerda e age como de direita.

FRANQUEZA

Nicolas Sarkozy mudou tudo isso. Ele sempre se apresentou como um político de direita, sem nuanças, sem trapaças, sem temor, sem arrependimentos. E funcionou. Seu triunfo demonstra muito bem isso. Seu estilo, uma mistura de brutalidade, verdade, coragem, simplicidade, é o que restará desta campanha. Não esconde que é de direita. Diz a verdade, fala sem precauções. Não dissimula suas fraquezas.

É o caso, por exemplo, de sua conhecida ambição: quando, há três anos, um jornalista lhe perguntou se, pela manhã, ao se barbear, ele sonhava com a presidência francesa, Sarkozy respondeu, sorridente: 'Não só ao me barbear. Penso nisso o tempo todo.'

De onde vem essa força, essa rudeza? Os psicanalistas um dia decidirão analisá-lo. Sarkozy, mesmo tendo sido criado na região mais elegante da capital francesa (Neuilly), teve uma infância difícil. Precisou vender sorvetes para pagar seus estudos de advogado. Seu avô materno, Benedict Mallah, é um judeu sefardita vindo de Salonica, na Turquia. Seu pai é um aristocrata húngaro sedutor, encantador, mas sempre ausente, o que fez o pequeno Nicolas sofrer cruelmente (assim, Sarkozy é duas vezes imigrante). Foi nessa família devastada que o menino Nicolas cresceu.

Corajoso, muito inteligente (mas não um intelectual), Sarkozy é um homem de ação. E certamente vai adotar pontualmente as reformas sonhadas - as reformas que a direita preconiza há 50 anos e jamais teve coragem de levar adiante, ou seja: reabilitar o trabalho. Não substituir um funcionário a cada dois que se aposentam. Fazer reinar a ordem absoluta nas escolas, nas famílias. Encher as prisões. Criar um escudo fiscal que impeça o fisco de taxar mais de 50% dos ganhos obtidos pelos ricos. Ou seja: tudo para os que têm e pior para os pobres e para a justiça social. Sem falar nos 'sem domicílio fixo' ou, pior ainda, nos imigrantes.

Aos olhos de Sarkozy, essas medidas, mesmo que possam chocar, são condição para que a França deixe de ser 'o doente da Europa' e entre na modernidade.

GLOBALIZAÇÃO

Saindo dos problemas internos, Sarkozy pretende recolocar a França na comunidade das nações. Ele faz parte de um movimento mundial que nasceu com Ronald Reagan nos Estados Unidos, depois emigrou para a Grã-Bretanha, com Margaret Thatcher, e atingiu também a Itália, com Silvio Berlusconi, e a Espanha, com José María Aznar (antes que o pêndulo oscilasse para a esquerda com o atual primeiro-ministro espanhol, José Luis Rodríguez Zapatero). A inspiração de todos esses líderes foi a lei do mercado, o liberalismo puro e duro, a globalização. Sarkozy se lançará temerariamente nessas ideologias?

Constantemente ele se mostra muito próximo dos liberais mais extremados. Mas, em outros momentos, parece seguir outra música.

Assim, a Comissão Européia (órgão executivo da União Européia), que, na presidência do português José Manuel Durão Barroso, é hoje a ponta de lança do liberalismo, não se sente muito segura e desconfia desse bizarro francês. A comissão, com sede em Bruxelas, espera que, com Sarkozy, a França pare de erguer, sem parar, novas barreiras para se proteger de uma globalização da qual se beneficia plenamente. Mas Sarkozy será mesmo o paladino do lirismo liberal e da globalização?

Em Bruxelas existe inquietação. O tom da campanha de Sarkozy angustiou os sábios liberais da União Européia. Quando ele lembrou que 'a França é a pátria dos direitos humanos, ela não inventou a solução final nem cometeu genocídios', isso não encantou os realistas de Bruxelas.

Com certeza, Sarkozy não será indulgente nem com seus inimigos socialistas nem com seus amigos liberais. É uma personalidade forte e rude. Nada flexível. Governará durante cinco anos, talvez dez. E adora uma briga. Devemos esperar algumas turbulências pela frente.