Título: O câmbio e os setores tradicionais
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Fonte: O Estado de São Paulo, 08/05/2007, Economia, p. B2
O ministro da Fazenda, Guido Mantega,opinava, recentemente, que a taxa cambial não afeta o crescimento econômico. É verdade que se pode prever para 2007 maior crescimento do PIB, mas a declaração deve ter sido recebida com irritação em alguns setores de mão-de-obra intensiva, como os de calçados, móveis e artigos de vestuário.
A apreciação cambial tem afetado duplamente essas empresas: seus produtos tornam-se mais caros e sua margem de lucros cai, como também o custo da mão-de-obra em dólares cresce, sem que consigam transferir para seus clientes do exterior essa elevação de custo. É fácil entender que um mesmo salário de R$ 1.000 com uma taxa cambial de R$ 3 representa US$ 333, enquanto com taxa cambial de R$ 2 se eleva para US$ 500, ou seja, acusa aumento de 50%.
Nesses setores tradicionais, a mão-de-obra chega a representar 30% do custo da produção, levando em conta seu caráter artesanal, que nem sempre pode ser superado com a instalação de novos equipamentos, enquanto a redução de pessoal tem um custo altíssimo por causa de nossa política trabalhista.
Segundo os dados divulgados pelo jornal Valor, registrou-se nesses setores aumento de 22,4% dos salários em dólares em 2005, de 9,8% em 2006 e de 13% nos primeiros meses de 2007, o que representa uma alta acumulada de 51,8%.
Esses setores sobrevivem graças a um aumento do poder aquisitivo que se traduziu em crescimento da demanda interna. Isso se verificou especialmente no setor mobiliário, cuja demanda cresceu acompanhando o ¿boom¿ imobiliário, uma vez que maior acesso à propriedade de um imóvel redunda na compra de móveis. No entanto, para a exportação registra-se um recuo que só é superado quando uma empresa exportadora consegue oferecer novos produtos mais sofisticados (com custo maior de mão-de-obra).
Nesses setores a situação pode ser melhorada somente por meio de medidas suscetíveis de reduzir os custos de produção: diminuição da carga tributária, alívio da legislação trabalhista e condições especiais de financiamento.
Não se pode menosprezar a importância de setores tradicionais que ocupam mão-de-obra numerosa e especializada e já têm prestígio no exterior. Seguramente a compra de equipamentos modernos pode ajudar a reduzir os problemas enfrentados por esses setores, mas não eliminá-los.