Título: Governo decide retaliar Bolívia e cancela benefícios ao país
Autor: Brito, Agnaldo
Fonte: O Estado de São Paulo, 08/05/2007, Economia, p. B4

O governo brasileiro deflagrou ontem medidas de retaliação em resposta à decisão da Bolívia de expropriar o caixa das refinarias da Petrobrás com a publicação de novo decreto supremo. Segundo o Estado apurou, uma reunião para discutir a concessão de benefícios tarifários à Bolívia para facilitar a entrada de produtos bolivianos no País foi cancelada. A oferta de um crédito para agricultores bolivianos comprarem tratores subsidiados do Brasil também foi cancelada.

O governo brasileiro pode adotar outras medidas em resposta à hostilidade da Bolívia com os negócios da Petrobrás. Entre as decisões que correm o risco de ser anuladas está o reajuste do preço de parte do gás importado pelo Brasil. Em fevereiro, o presidente Evo Morales esteve pessoalmente em Brasília para obter uma elevação do preço do combustível.

A Petrobrás aceitou na ocasião a criação de um aditivo ao contrato original (chamado de GSA), no qual concordava com o pagamento de um valor maior para as frações nobres do gás natural. A mudança daria à Yacimientos Petrolíferos Fiscales Bolivianos (YPFB) uma renda de US$ 100 milhões a mais por ano. Esses contratos ainda não estão em vigor, porque não foram protocolados pela Bolívia.

Segundo fontes, os bastidores estavam ainda mais tensos nos últimos dias. A reação do governo ao novo decreto supremo deveria ser mais dura do que a divulgada pelo Itamaraty. O presidente Lula e o assessor especial Marco Aurélio Garcia queriam um tom duríssimo, o que acabou não ocorrendo.

NA BOLÍVIA

O ex-ministro de Hidrocarbonetos da Bolívia, Carlos Miranda, definiu ontem com precisão a separação entre o que quer a Petrobrás e o que deseja a YPFB em relação às refinarias nacionalizadas em maio do ano passado. Segundo Miranda, a Petrobrás determinou a seus negociadores que não aceitará um valor pelos ativos que não seja o definido pelo mercado internacional. Já a Bolívia, comentou, acha que os preços das instalações acompanham a determinação do Estado boliviano.

'Ora, a Petrobrás evoca preços de mercado para as refinarias. Mas a Bolívia não vive mais uma economia de mercado. Quem arbitra valores é o Estado. A Bolívia não é mais uma economia livre', disse o ex-ministro. Decorre daí, avalia o especialista, a 'perigosa' divergência que aflorou nos últimos dias. E voltou a provocar reações ontem, quando o governo brasileiro e a Petrobrás criticaram o decreto supremo que toma da companhia brasileira o direito de exportar petróleo reconstituído (pesado) e gasolina.

Miranda ainda acredita num acordo sobre as refinarias, mas reconhece que as possibilidades de seqüelas são crescentes. E, segundo ele, podem ser nocivas ao Brasil, que necessita da importação do gás para suprir a indústria do Centro-Sul, e para a Bolívia, que pode perder um suporte financeiro para novos investimentos. 'Não sei se será possível um acordo, mas posso garantir que isso é necessário para todos.' De acordo com Miranda, esse novo ato torna 'perigosamente' mais tensa a relação entre Brasil e Bolívia.

Segundo informações de fonte diplomática que acompanha as negociações entre a Petrobrás e a YPFB, o atual ministro de Hidrocarbonetos, Carlos Villegas, disse à estatal brasileira que daria dez dias para um acordo sobre o valor para a transferência das ações da refinarias para o governo boliviano. A Bolívia pode tomar os ativos com um novo decreto supremo e pagar o valor oferecido. A Petrobrás estaria disposta a fechar o negócio por US$ 135 milhões. A última oferta boliviana teria sido a metade: US$ 65 milhões. E o prazo final para uma acordo, aparentemente ainda distante, é o fim desta semana.