Título: 'Brasil tem regime racista competente'
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 13/05/2007, Nacional, p. A15

Entusiasta das cotas para afrodescendentes, o antropólogo Júlio Cesar de Tavares, da Universidade Federal Fluminense (UFF), ataca o que considera 'vício universalista' utilizado no Brasil para tratar das desigualdades e defende o foco de políticas sociais em negros e pardos. Ele chega a dizer que o racismo tem de ser combatido fisicamente. 'Acho que o racista na rua tem de apanhar', afirma. Tavares declara que raças não existem biologicamente, mas socialmente, como conceitos que, historicamente, têm sido usados para a segregação racial no Brasil.

Qual é a sua avaliação do Estatuto da Igualdade Racial?

Há uma cultura universalista, que pressupõe que devemos primeiro criar condições igualitárias e não estabelecer políticas que sejam direcionadas para alguns grupos. Esse é o maior problema que encontramos para implementação do estatuto, já que ele pressupõe política focada.

Por que o senhor defende o sistema de cotas, como o adotado nos EUA?

Primeiro, não foi adotado especificamente nos Estados Unidos. Foi adotado em vários países, como Canadá, Malásia, Índia, Austrália. O Brasil tem um dos regimes racistas mais competentes do planeta. Ele se consolida junto a mitos de que não existem raças nem exclusão racial.

O que acha da acusação de que as cotas vão exacerbar o racismo?

Isso é outra falácia. O racismo já chegou a seu ponto maior de exacerbação. A tendência é declinar. O que temos agora é uma conscientização. As pessoas estão cada vez mais conscientes, cada vez mais atentas para o racismo e, detalhe, cada vez mais combativas. Mais combativas significa: o pau vai comer, sim, vai ter de ser combatido. E às vezes vai ter de ser combatido fisicamente. Acho que o racista na rua tem de apanhar. Temos de partir também para uma demonstração individual. Individualmente, vai chegar um momento em que o diálogo se esgota. Isso a consciência vai pautar. Na medida em que a gente vai tomando consciência, chega um momento em que, se você pegar o corrupto pela goela, vai querer esbofeteá-lo.

O conceito de raça não é politicamente perigoso?

É verdade, raça não existe sob o ponto de vista biológico. Mas o fato de uma coisa não existir na natureza não significa que ela não exista na sociedade. É uma ilusão que se transformou em instrumento de discriminação.

Qual é o balanço que o senhor faz das políticas de cotas no Brasil?

Está sendo vitorioso. O rendimento desses alunos é do faminto diante da comida, daquele que sempre correu atrás do saber.

O que pode acontecer se essa política não for generalizada?

A gente vai criar segregações. Claramente, onde ela não for implementada, vai ficar claro que ali é um bolsão privilegiado das políticas arcaicas.