Título: 'Modelo adotado por Evo é um chavismo falido'
Autor: Costas, Ruth
Fonte: O Estado de São Paulo, 13/05/2007, Internacional, p. A16

O presidente boliviano, Evo Morales, encontrou um modo simples e eficiente para convencer a população dos benefícios da nacionalização do setor de gás e petróleo: em novembro, ele distribuiu parte do dinheiro arrecadado com o aumento das taxas impostas sobre as petrolíferas estrangeiras para mais de 1 milhão de crianças da escola primária, dentro de um programa de combate à evasão escolar.

O programa foi chamado de Bolsa Juancito Pinto, em homenagem a um menino de 12 anos, espécie de corneteiro do Exército na guerra contra o Chile (1879), que combateu junto aos soldados de seu país quando as tropas começaram a ficar debilitadas. Cada aluno recebeu 200 bolivianos (US$ 25) no final do ano, sem que fosse necessário praticamente nenhum tipo de contrapartida (a não ser estar na escola). Pode parecer pouco, mas se considerarmos que o salário mínimo é de US$ 75 - e em algumas regiões muita gente não ganha nem isso -, dá para entender por que o programa teve grande efeito na popularidade de Evo. Mais rápido do que se o dinheiro tivesse sido investido na melhoria das escolas, todos ficaram agradecidos com o presidente. 'O objetivo principal do programa é eleitoreiro', disse ao Estado o sociólogo Roberto Laserna, do Centro de Estudos da Realidade Econômica e Social, em Cochabamba. 'Se a meta fosse combater mesmo a evasão escolar, o dinheiro poderia ser aplicado no ensino médio, onde esse problema é maior.'

Segundo analistas, porém, a capacidade de Evo de manter seu apoio com projetos sociais assistencialistas como esse é muito mais limitada que a de seu aliado, o presidente venezuelano Hugo Chávez. 'O modelo adotado por Evo para conseguir popularidade é uma espécie de chavismo falido, com menos recursos financeiros e dependente de ajuda externa', disse o cientista político Carlos Cordero, da Universidade Mayor San Andrés.

Dois dos principais projetos na área de saúde e educação recebem financiamento da Venezuela e capital humano de Cuba. Médicos cubanos teriam atendido, segundo fontes oficiais, mais de 3 milhões de pessoas (um terço da população boliviana) nos últimos dez meses e, dentro da 'Operação Milagre', teriam feito 52 mil operações de catarata. O método cubano 'Yo Sí Puedo' de alfabetização também começou a ser adotado no interior do país em 2006 e hoje atenderia mais de 300 mil pessoas. 'Os resultados dos programas são interessantes, mas passam longe do que o governo vende: aprender a decifrar letras, por exemplo, não é o mesmo que saber ler', diz Laserna. 'Além disso, como aqui não há recursos, eles dependem de ajuda externa, o que pode não ser sustentável.'

Com as taxas impostas sobre o setor de petróleo e gás, o governo obteve em todo o ano passado uma receita de US$ 1,6 bilhão. É o mesmo que a empresa anglo-holandesa Unilever lucrou só nos primeiros três meses deste ano vendendo artigos como sabonete, sorvete e chocolate. Já a Venezuela fatura US$ 70 bilhões por ano com a venda de petróleo e tem vultosas reservas internacionais.

Ainda há grande diferença com relação à duração das reservas de petróleo. 'Se os venezuelanos quiserem ter um país que vive apenas da riqueza de seus recursos naturais, pelo menos lá essa riqueza só se esgotará daqui a 200 anos, enquanto na Bolívia o limite das reservas é de cerca de 50 anos', diz Fernando Molina, diretor do semanário político e econômico Pulso. 'E, como somos um Estado muito mais pobre, quando os preços do gás e petróleo começarem a cair no mercado internacional, os estragos por aqui serão maiores.'