Título: A 'Bolizuela' do líder 'Evo Chávez'
Autor: Costas, Ruth
Fonte: O Estado de São Paulo, 13/05/2007, Internacional, p. A16

A aliança com a Venezuela há muito deixou de ser apenas uma opção de política externa para o governo boliviano. Mais do que isso, é uma escolha que está ajudando a moldar uma nova Bolívia - a Bolívia de Evo Morales e Hugo Chávez. 'O presidente venezuelano é hoje o principal avalista e a grande fonte de inspiração ideológica das reformas que Evo está promovendo por aqui', disse ao Estado o cientista político Carlos Cordero, da Universidade Mayor de San Andrés. 'É triste pensar que a maior parte dos projetos nos quais se está apostando para desenvolver a Bolívia seja fruto do assistencialismo venezuelano ou cópia do modelo centralizador que Chávez criou em seu país.'

Vieram da Venezuela o helicóptero que Evo usa para viajar pela Bolívia, os cheques de US$ 100 mil a US$ 150 mil que ele distribui aos municípios dos rincões mais miseráveis do país e os únicos tratores em boas condições que aram as terras da localidade de Camacho, às margens do Lago Titicaca. Um acordo militar de maio de 2006 abre espaço para a Venezuela enviar soldados à Bolívia em caso de conflito interno (ler ao lado) e, de acordo com uma fonte diplomática, o embaixador venezuelano Júlio Montes - que já disse estar disposto a derramar 'sangue' venezuelano pela 'revolução' de Evo - tem um escritório no Palácio Queimado, sede do governo boliviano.

'Trata-se de uma relação de apadrinhamento, muito típica da cultura latino-americana', diz Fernando Molina, diretor do semanário político e econômico Pulso, um dos mais respeitados da Bolívia. Lançando mão da riqueza fácil do petróleo venezuelano e da ampla confiança que recebe de Evo, Chávez exerce influência em pelo menos quatro áreas prioritárias na Bolívia: hidrocarbonetos, política interna, programas sociais e defesa.

No que diz respeito ao setor de gás e petróleo, é cada vez mais evidente o papel venezuelano no processo de nacionalização, que começou em 1º de maio de 2006 e fez o lucro da Petrobrás recuar 75%. 'Se Chávez não tivesse dado apoio financeiro e político à Bolívia, é provável que a nacionalização não ferisse tanto os interesses brasileiros, porque os bolivianos sempre tiveram uma dependência muito grande em relação ao Brasil e certo medo de desafiá-lo', explica Molina.

Numa entrevista ao jornal boliviano La Prensa, o ex-ministro dos Hidrocarbonetos Andrés Soliz Rada admitiu que advogados da estatal venezuelana PDVSA ajudaram a redigir os contratos que passaram para a Yacimientos Petrolíferos Fiscales Bolivianos (YPFB) a propriedade da produção do gás e petróleo na Bolívia e transformaram as empresas estrangeiras em simples prestadoras de serviços.

'De fato, tivemos assessoria de vários países, incluindo a Venezuela', confirmou ao Estado o vice-ministro de Industrialização e Comercialização de Hidrocarbonetos, Willan Cardozo.

As promessas de investimento da PDVSA funcionam como um porto seguro para o governo boliviano, alarmado com a possibilidade de as outras petrolíferas estrangeiras reduzirem os investimentos ao mínimo necessário para manter a produção no nível atual. No início de 2006, logo depois do anúncio de que o setor seria nacionalizado, a estatal venezuelana anunciou investimentos de US$ 1,5 bilhão na exploração de gás e petróleo na Bolívia - o equivalente aos aportes da Petrobrás no país. 'Técnicos da PDVSA nos visitam pelo menos a cada seis meses para dar assessoria técnica e treinamento', disse ao Estado Victor Mamani, um dos coordenadores do setor de gás natural da YPFB.

TRAJETÓRIAS SIMILARES

Na política interna, a experiência venezuelana também se tornou um norte para o governo boliviano. A prova disso é que o caminho trilhado por Evo desde que assumiu o poder é assustadoramente semelhante à trajetória de Chávez. Primeiro, ele conseguiu convocar uma Constituinte para 'refundar' o país. Agora, procura incluir nela a possibilidade de reeleição - que, se não for aprovada por maioria de dois terços, será votada (e provavelmente aprovada) num referendo. Quando a Carta estiver redigida, haverá nova votação. Evo terá a chance de livrar-se de parte dos governadores de oposição e, ao mesmo tempo, iniciar um novo mandato que, ao final, poderá se estender por mais quatro anos.

'O modelo de Chávez teve um sucesso indiscutível em seu objetivo de concentrar e manter o poder e é isso que o presidente boliviano e seu partido, o Movimento ao Socialismo, querem replicar por aqui, apesar de terem tão pouca experiência de governo', explicou Cordero. Como Chávez, Evo reclama de ser perseguido pela imprensa local. Dias atrás, ele anunciou, com o apoio da Venezuela, a criação de uma rede de 25 rádios comunitárias (já em operação) e uma TV (a ser inaugurada em 2008) para que os grupos que o apóiam possam dizer 'a sua verdade'.

'É claro que na Bolívia esse modelo de concentração de poder tem limites mais delineados: aqui há um elemento regional forte de resistência, já que a população da Meia-Lua (região de Santa Cruz, Beni, Pando e Tarija) faz oposição a Evo, e os recursos que ele tem para usar num projeto centralizador também são muito mais modestos', diz o economista Carlos Miranda Pacheco, ex-ministro de Hidrocarbonetos.

COOPERAÇÃO BILATERAL

Defesa Um convênio entre os dois países abre espaço para o envio de soldados venezuelanos para a Bolívia em caso de conflito interno.

Agricultura Hugo Chávez doou cerca de 300 tratores para diversos municípios bolivianos. Ele também emprestou US$ 100 milhões para os Ministérios da Produção e da Agricultura.

Saúde e educação O governo venezuelano financia o envio de médicos e professores cubanos e banca 5 mil bolsas para bolivianos estudarem na Venezuela.

Hidrocarbonetos A estatal petrolífera venezuelana PDVSA treina funcionários da boliviana YPFP e deve criar uma empresa conjunta com ela - a Petroandina. A petrolífera venezuelana promete investir US$ 1,5 bilhão na exploração de gás e petróleo, e seus advogados assessoraram a redação dos contratos de nacionalização dos hidrocarbonetos.

Outros setores da economia Hugo Chávez prometeu comprar soja da Bolívia e investir na pesquisa de usos alternativos para a coca.

Registro de cidadãos A Venezuela doou quase US$ 1 milhão e 800 computadores para a confecção de cédulas de identidade para os bolivianos. A oposição , porém, teme que esse processo permita fraudes eleitorais e um controle mais estrito da sociedade.

Propaganda Chávez apoiou e ajudou a financiar a campanha presidencial do colega Evo Morales. O helicóptero que o presidente boliviano usa para viajar pelo país é venezuelano, assim como seus pilotos.

Gestão municipal O governo venezuelano doou mais de US$ 30 milhões para municípios bolivianos mais pobres do país. O dinheiro é distribuído pelo presidente Evo Morales em cheques que variam de US$ 100 mil a US$ 150 mil, durante suas andanças pelo território boliviano .

Imprensa Chávez apoiou a criação de uma rede de rádios comunitárias na Bolívia, à qual deverá será incorporado um canal de televisão em 2008.