Título: 'Apreensão de cocaína é maior porque a produção cresceu'
Autor: Costas, Ruth
Fonte: O Estado de São Paulo, 13/05/2007, Internacional, p. A17

O governo boliviano afirma que o crescimento da quantidade de droga apreendida é resultado de um aumento nos esforços de combate ao tráfico, mas a oposição e muitos especialistas contestam.

'Há mais droga para ser apreendida porque o volume de produção de coca e cocaína está aumentando - o problema é a enorme quantidade de material ilícito que a polícia não consegue confiscar', disse ao Estado Johnny Villarroel, diretor do departamento de ciências políticas da Universidade Maior de San Andrés.

A Bolívia assinou em 1976 (mas não ratificou) a Convenção das Nações Unidas sobre Narcóticos, que apesar de reconhecer o uso tradicional da coca, estabelecia um prazo de 25 anos para que os países produtores interrompessem essa atividade.

No final da década de 80, uma lei limitou a venda a alguns mercados específicos e o cultivo a 12 mil hectares na região de Yungas, no departamento (Estado) de La Paz, e anos mais tarde, por pressão dos cocaleiros, o presidente Carlos Mesa (2002-2005) estendeu essa permissão para o Chapare.

Quando Evo chegou ao poder, cada família de produtores de coca filiada a um sindicato local tinha o direito a plantar uma área de um 'cato', ou 1.600 metros quadrados. Ele ampliou esse limite, tornando-o individual, e criou novos mercados para a comercialização da coca. 'Na prática, a venda e produção de coca passaram a ser permitidos em quase todo o território nacional, embora nada disso tenha sido feito por meio de alterações na legislação', diz Villarroel. 'O presidente simplesmente anunciou as mudanças, evitando um atrito com a comunidade internacional.'

TRABALHO DIFÍCIL

O trabalho das equipes responsáveis pela erradicação da coca também ficou mais difícil no último ano. Pela legislação vigente, a Bolívia se compromete a erradicar pelo menos 5 mil hectares por ano. O atual governo não ultrapassou nem em um centímetro essa meta e o trabalho agora é todo feito sob supervisão dos sindicatos de cocaleiros.

A área de cultivo das famílias é medida e, o que ultrapassar os 1.600 metros quadrados por pessoa, é cercado e destruído. Além disso, o Vice-Ministério que antes se encarregava dos programas de incentivo a troca da coca por outros cultivos foi substituído pelo Vice-Ministério da Coca e os EUA, que financiavam essas iniciativas, começaram a cortar a ajuda reclamando da falta de colaboração do governo boliviano.

É verdade que tais projetos já encontravam muitos obstáculos quando a política oficial era diminuir ao máximo a área plantada de coca no país, mas na época eles conseguiram resultados interessantes desenvolvendo mercados rentáveis e auto-sustentáveis para o cultivo de produtos como banana e abacaxi.

A maior dificuldade decorria do fato de a coca ser muito rentável e fácil de ser cultivada. Resistente às pragas, não requer o uso de pesticidas, rende de duas a três safras por ano e é facilmente armazenada e transportada 'É semear e esquecer', explica Villarroel.

Por isso, não raro os agricultores que recebiam os cerca de US$ 2,5 mil para redirecionar sua produção acabavam plantando coca no fundo do terreno, como garantia para quando fosse necessário reformar a casa, comprar um carro ou casar a filha.

'Hoje, ao manter-se numa posição ambígua, o governo de Evo garante o importante apoio desses cocaleiros ao mesmo tempo em que evita provocar a ira da comunidade internacional', diz o sociólogo Roberto Laserna, que estuda os movimentos sociais na Bolívia. 'O problema é que o efeito colateral dessa medida talvez seja um inevitável aumento da atividade do narcotráfico.'

FRASES

Ernesto Justiniano Deputado da oposição ¿É estranho que até agora o governo brasileiro não tenha tomado uma posição mais firme em relação à política ambígua do governo Evo, que incentiva a produção de coca e diz combater o narcotráfico como se ambos não estivessem relacionados¿

Roberto Laserna Sociólogo ¿Ao manter-se numa posição ambígua, o governo garante o apoio dos cocaleiros e, ao mesmo tempo, evita a ira da comunidade internacional. O problema é que o efeito colateral talvez seja o aumento do narcotráfico¿

NÚMEROS

7.000 hectares de folha de coca podem ter sido cultivados ilegalmente, segundo estimativas da oposição boliviana

20.000 hectares é o atual limite legal para o cultivo da planta; antes, esse limite era de 12.000 hectares

2.500 dólares é o valor pago aos produtores que aceitam substituir o cultivo

5 toneladas de cocaína foram apreendidas apenas nos primeiros quatro meses deste ano - 20% a mais do que toda a droga apreendida no ano passado.