Título: No debate do aborto, o PT fica nos extremos
Autor: Leal, Luciana Nunes
Fonte: O Estado de São Paulo, 13/05/2007, Vida&, p. A26

A polêmica em torno da legalização do aborto, acirrada pela presença do papa Bento XVI no Brasil e pelas declarações do ministro da Saúde, José Gomes Temporão, está presente no Congresso há pelo menos 16 anos. A leitura dos projetos de lei sobre o tema é um bom caminho para medir o tamanho da controvérsia. Entre as 19 propostas, há desde a legalização do aborto em qualquer circunstância até o endurecimento da lei atual, com punição inclusive para os casos de gravidez resultante de estupro. O mais curioso: nos dois casos, os autores são deputados do mesmo partido, o PT.

Há um mês, Temporão provocou fortes reações quando afirmou que o aborto é um problema de saúde pública e deve ser debatido pela sociedade, livre de dogmas religiosos. O papa, por sua vez, preparou discursos de reafirmação da posição da Igreja contra o aborto e a eutanásia e a favor da castidade dos jovens.

O Código Penal autoriza o aborto apenas quando há risco para a vida da gestante ou quando a mulher foi vítima de estupro. Para os demais casos, as penas variam de um a quatro anos de prisão, quando há o consentimento da grávida.

Na Câmara, dez projetos prevêem que o aborto deixe de ser crime ou ampliam os casos que não são passíveis de punição. Nove propostas aumentam as penas para a prática ou restringem ainda mais os casos em que o aborto é permitido. Nenhum dos projetos, no entanto, está em condições de ser levado à votação em plenário. A maioria está na Comissão de Seguridade Social e Família (CSSF).

'Os impedimentos legais para a prática do aborto produzem como conseqüência uma espantosa tragédia diária: morte e graves lesões físicas em inúmeras mulheres que têm que praticar o aborto clandestinamente', diz o deputado petista José Genoino (SP) na justificativa para o projeto que legaliza o aborto, desde que a mulher tenha até 90 dias de gestação. Genoino recorre a cientistas e até a São Tomás de Aquino na tese de que a 'animação do feto coincide com a concepção'.

O projeto tramita há 12 anos na Câmara e está anexado a uma espécie de projeto-mãe, de 1991. Os ex-deputados Sandra Starling (MG) e Eduardo Jorge (SP), ambos petistas, propõem supressão do artigo do Código Penal que prevê punição à mulher que provoca o aborto ou permite que outros provoquem.

No sentido contrário está o deputado petista Luiz Bassuma (BA). A militância contra o aborto e a apresentação do projeto que prevê punição até para vítimas de estupro que interrompem a gravidez custaram caro ao parlamentar. Bassuma responde a processo na Comissão de Ética do PT baiano, que o acusa de ir contra as diretrizes partidárias, favoráveis à descriminação do aborto. Se o processo não for arquivado, o deputado pode ser advertido, suspenso ou expulso do PT.

'Não vou mudar minhas convicções. Essa questão está além do partido', diz Bassuma, que preside na Câmara a Frente Parlamentar em Defesa da Vida e Contra o Aborto. Integram a frente 195 dos 513 deputados federais. O deputado só aceita a interrupção nos casos de risco de morte da mãe.

Bassuma e o deputado Odair Cunha (PT-MG) são propõem um Estatuto do Nascituro ('o ser humano concebido e não nascido'). O texto trata da preservação do embrião e, entre outros pontos, eleva penas para o aborto, incluindo no rol de crime hediondo. 'O ministro Temporão diz que é problema de saúde pública. Até o presidente Lula incorporou esse discurso. Problema de saúde pública é gravidez indesejada e por isso é preciso haver política pública para evitar que as mulheres engravidem', diz Bassuma.

Para o católico praticante Eduardo Valverde (PT-RO), a apresentação de projeto que permite o aborto em casos como doença grave congênita do feto causou dor de cabeça. 'Apanhei à beça na minha igreja. Se eu fosse mulher, não faria um aborto, mas defendo que ela decida.'