Título: Por pouco, um incidente diplomático
Autor: Tereza, Irany
Fonte: O Estado de São Paulo, 13/05/2007, Economia, p. B12

O Brasil esteve a ponto de retirar da Bolívia o embaixador Frederico Araújo, transformando em incidente diplomático a pendenga comercial entre a Petrobrás e o governo boliviano em torno das refinarias Gualberto Villarroel, em Cochabamba, e Guillermo Elder Bell, em Santa Cruz de La Sierra.

No dia 30 de abril, foi intenso o movimento nas áreas diplomáticas dos dois países, conta uma fonte que acompanhou de perto todo o processo. Caso o presidente Evo Morales anunciasse, em 1º de maio, a transformação das duas unidades em meras beneficiadoras, como pretendia, as relações seriam imediatamente cortadas.

A idéia inicial era descontar o fluxo de caixa das empresas. Na época, chegaram, inclusive a circular rumores na Bolívia que davam como certo o seqüestro do fluxo de caixa.

No feriado do dia do trabalhador, Evo fez, com grande estardalhaço, um anúncio que, de concreto, não trazia novidade nenhuma em relação às medidas tomadas no decreto de nacionalização, um ano antes. O discurso carregava nas cores para apenas divulgar a aprovação, pelo Congresso boliviano, do acordo firmado com as petrolíferas estrangeiras em outubro de 2006, além de regulamentar o decreto de maio do ano passado. Deu certo. A bravata foi noticiada como uma nova cartada nacionalista do governo boliviano.

Na Petrobrás e no governo brasileiro, alívio. Em Houston, Texas (EUA), onde participava do Offshore Technology Conference, o maior evento mundial do setor de petróleo, o presidente da Petrobrás, José Sérgio Gabrielli, passara a véspera pendurado ao telefone, visivelmente tenso. No dia 1º, em entrevista coletiva, estava tranqüilo, mas foi econômico nos comentários: 'Não há surpresa nenhuma. Nada mudou em relação ao que foi acordado no contrato assinado entre a Petrobrás e a YPFB', declarou.

Àquela altura, porém, a tranqüilidade era apenas aparente. Os negociadores da Petrobrás já haviam entendido ser impossível um acordo.

Desde o anúncio da nacionalização dos hidrocarbonetos, em maio de 2006, o entendimento na Bolívia era de que estava sendo decretada a expropriação. O Exército ocupou as unidades de refino e até falsos representantes do governo boliviano apareceram para negociar.

A substituição do então ministro de Hidrocarbonetos Andrés Soliz Rada por Carlos Villegas deu um tom mais ameno às negociações. Na primeira rodada, os negociadores brasileiros ouviram das autoridades bolivianas elogios à gestão das refinarias, mas com o tempo ficou clara a dificuldade de convívio entre a estatal boliviana YPFB e a Petrobrás.

Foi nessa época que a Bolívia colocou na mesa a primeira oferta de pagamento pelas ações. Calculando em US$ 70 milhões o valor integral das duas unidades, propôs ficar com 70% dos ativos, por US$ 50 milhões. Recebeu como resposta um 'inaceitável'.

AMEAÇAS

O clima cordial entre as partes não escondia o tom de ameaça. Em conversas posteriores, os representantes bolivianos falaram na hipótese de um decreto retirar o fluxo de caixa das refinarias. Hipótese por hipótese, representantes da Petrobrás chegaram a brincar dizendo que, se as unidades explodissem, não haveria mais refinaria para negociar.

O ministro Carlos Villegas garantiu, em 20 de abril, que não haveria decreto antes do fim das negociações. Alguns dias antes, Lula e Evo haviam participado, em Barcelona, na Venezuela, do encontro da Cúpula Energética Sul-Americana e Lula havia pedido colaboração para um entendimento favorável a ambos.

Na semana seguinte, em encontro que reuniu, entre outros participantes, o ministro da Casa Civil da Bolívia, Juan Ramón Quintana, e o embaixador brasileiro Frederico Araújo, foi anunciada a possibilidade de edição do decreto em 1º de maio. Foi o ponto mais nevrálgico das relações Brasil-Bolívia.

Depois da pirotecnia de 1º de Maio, a Petrobrás apresentou a primeira das duas propostas financeiras: pediu US$ 153 milhões pelas duas refinarias, segundo garante uma fonte graduada da parte brasileira.

Os bolivianos fizeram uma proposta ainda menor que a primeira: R$ 56 milhões pela integralidade das ações. O Brasil, então, fez a contraproposta de US$ 112 milhões e ameaçou, publicamente, que iria recorrer à arbitragem internacional e deu ultimato de 48 horas à Bolívia.

O fax com a proposta brasileira foi enviado a Carlos Villegas na noite de segunda-feira, 7 de maio. O ministro boliviano pediu que o prazo começasse a valer a partir da manhã seguinte, quando o documento original chegou às suas mãos. A Petrobrás já tinha redigidas todas as cartas para serem encaminhadas à Corte de Arbitragem quando o governo boliviano anunciou o acordo.