Título: O achego tucano a Lula
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Fonte: O Estado de São Paulo, 11/05/2007, Notas e Informações, p. A3

No que deu perder duas eleições presidenciais consecutivas e não saber que oposição fazer a um presidente que exala olor de popularidade: depois de governar o País durante 8 anos e ver apropriadas pelo adversário vitorioso algumas de suas mais caras bandeiras - estabilidade econômica, proteção social e prioridade para a educação -, o PSDB se tornou um partido cujos dois pretendentes ao Planalto em 2010 disputam, menos ou mais explicitamente, o apoio do algoz da legenda em 2002 e 2006, Luiz Inácio Lula da Silva. Governadores de dois dos três principais Estados brasileiros, São Paulo e Minas Gerais, os presidenciáveis José Serra e Aécio Neves, sempre poderão alegar - e não têm feito outra coisa, aliás - que as suas funções os obrigam a manter um permanente diálogo institucional, de natureza administrativa, com o petista que se manteve no comando do governo central.

Mas salta aos olhos que vão muito além disso a naturalidade e a desenvoltura com que ambos freqüentam a seara federal e trocam agrados públicos com Lula - sem falar na discreta e amistosa interlocução entre políticos ligados a uns e ao outro -, enquanto aqueles se fazem de surdos às exortações de um cada vez mais solitário Fernando Henrique por uma atitude de oposição ao situacionismo. ¿Não me peçam para fazer oposição xingando¿, reagiu Aécio a uma pergunta do Estado, em entrevista publicada ontem, sobre as cobranças do ex-presidente. E completou, como quem demarca o terreno: ¿Não devemos ser tutelados por A ou B.¿ A entrevista fez par com o noticiário sobre o jantar do mineiro, na terça-feira, em Brasília, com dois hierarcas neolulistas do PMDB, o presidente Michel Temer e o líder do partido na Câmara, Henrique Alves.

Até os talheres que usaram sabem que, se o PSDB, respeitando a fila, for de Serra para a sucessão de Lula - e caso Aécio se recuse a esperar a vez em 2014 ou 2015, extinta a reeleição -, a sua alternativa é migrar para o PMDB, que o lançaria ao Planalto com o assumido endosso do presidente e ungido candidato único da rotunda coalizão governista de uma dúzia de partidos. Aécio aconselha a mídia a ¿esquecer essa história de filiação ao PMDB¿, mas, no mesmo fôlego, admite que ¿estejamos juntos em 2010¿. O PMDB só estará junto com o PSDB, contra um nome abençoado por Lula, quando as paralelas se encontrarem no infinito. Eis por que Aécio almoça com Lula, janta com o PMDB e não descarta nem mesmo uma hoje inimaginável aliança tucano-petista no próximo pleito nacional. Tais fantasias prosperam porque o PSDB perdeu o eixo, a unidade e a identidade.

Desnorteados, os tucanos programam seminários para se redescobrirem; alguns chegaram a sugerir uma pesquisa nacional para que a população em última análise indique ao partido o rumo a seguir - uma prova de desorientação como poucas se viram na política brasileira. ¿Estamos aniquilados¿, disse o deputado paulista José Aníbal quando saíram os resultados das primeiras sondagens sobre a popularidade de Lula desde a segunda posse. ¿Dá até desânimo fazer oposição¿, comentou o colega paranaense Gustavo Fruet. Mas o prestígio do presidente é apenas metade da missa. As afinidades entre o PSDB e o governo - em relação a questões macro como democracia, controle da inflação, responsabilidade fiscal, crescimento e combate à desigualdade - limitam o espaço tucano para se contrapor ao Planalto com ¿um discurso renovado¿, como tanto se ouve no seu ninho.

Além disso, mesmo os políticos doutrinários se balizam pelos ciclos eleitorais. Do contrário, eles seriam acadêmicos, pregadores ou ideólogos, e os partidos não seriam entidades voltadas para a conquista do poder. Ora, sabem os tucanos mais lúcidos que a maioria dos paulistas e mineiros elegeu ou reelegeu governadores correligionários não, primariamente, por serem do PSDB, mas por seus presumíveis atributos pessoais e capacidade administrativa. Agora, o partido fala em ¿resgatar as bandeiras que são nossas¿ - e que ajudaram a manter na Presidência quem as empunhou, enquanto falava em ¿herança maldita¿. Ora, o tempo do resgate é o da próxima eleição, que não terá Lula candidato, mas tampouco terá candidatos viáveis que se apresentem como a sua antítese. Essa é a enrascada do PSDB.