Título: Uma luz no apagão da CPI
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Fonte: O Estado de São Paulo, 10/05/2007, Notas e Informações, p. A3

Os primeiros movimentos da CPI do Apagão Aéreo sugerem a forte possibilidade de que a ela não se aplique o aforismo atribuído ao frasista Ulysses Guimarães, que os políticos não se cansam de repetir, segundo o qual sabe-se como as comissões parlamentares de inquérito começam, mas não se sabe jamais como terminam. Por enquanto, de fato, vão se confirmando os receios de que a base governista amplamente majoritária na Câmara se empenhará em esterilizar a investigação que precisou de ordem judicial para ser instalada, depois das irregulares manobras destinadas a engavetá-la. As prioridades estabelecidas pelos condutores da comissão deixam claro o seu intuito de deixar que o tempo se incumba de afastar o inquérito dos assuntos potencialmente menos inconvenientes para o Planalto.

Conforme o cronograma dos trabalhos divulgado pelo relator da comissão, o petista gaúcho Marco Maia, só em agosto, na última fase das apurações que antecederão os 15 dias reservados para o preparo e votação do relatório final, é que a CPI se voltará para a questão básica da infra-estrutura aeroportuária do País - que gira em torno dos atos da estatal do setor, a Infraero, nos últimos anos, incluindo desde evidências de descaso com as condições operacionais dos mais movimentados campos de pouso do País até práticas de corrupção já identificadas pelo Tribunal de Contas da União. Desde a primeira hora, na defensiva, o governismo propagou a falácia de que as decisões tomadas, ou que deixaram de ser tomadas, em relação aos aeroportos apenas tangenciam, se tanto, a crise do sistema da aviação comercial brasileira, que eclodiu na esteira do pior acidente já ocorrido no espaço aéreo nacional, em setembro passado.

Além de apostar na passagem do tempo para esfriar a questão da Infraero, os inquiridores da Câmara afinados com os interesses do lulismo definiram um rol inicial de 13 depoentes, todos eles em funções ou papéis que os vinculam à colisão do Boeing da Gol com o Legacy da ExcelAire, o ponto de partida da CPI - a exemplo, notadamente, dos pilotos americanos do jato da Embraer -, mas, sintomaticamente, nenhum controlador de vôo. Apenas numa hipótese estapafúrdia caberia tomar o depoimento da quase totalidade dos 13 - caso não tivesse sido aberto e não estivesse para terminar o inquérito da Polícia Federal sobre a catástrofe. (O delegado responsável será o primeiro a depor.) À redundância se soma a ignorância. Na avaliação implacável do deputado Sílvio Costa, do PMN de Pernambuco, ¿a intimidade que a maioria dos membros da CPI tem com tráfego aéreo é a mesma que eu tenho com a Cláudia Raia: nenhuma¿.

Não é só na Câmara que a base do governo se atém à pauta que convém ao oficialismo. Os seus equivalentes no Senado já mexem os pauzinhos para impedir a instalação de Comissão Parlamentar de Inquérito equivalente, de iniciativa da oposição e que, à maneira da outra, cumpriu os requisitos necessários ao seu funcionamento. Uns contestam a legalidade de dois inquéritos sobre idêntica matéria. Outros, a sua racionalidade. Mas esses são argumentos de ocasião. Se é verdade que o ideal teria sido a formação de uma CPI mista de deputados e senadores, é verdade também que tais objeções são meramente oportunistas. O direito da minoria no Senado é tão legítimo quanto na Câmara - e só ela pode desistir da segunda investigação, se assim entender conveniente, em acordo com a maioria. Os governistas mais sensatos já perceberam isso.

Mas nem tudo é apagão no inquérito legislativo recém-iniciado. Em boa hora se resolveu acrescentar à sua agenda original - que em última análise focaliza o problema da segurança de vôo no País - a questão normalmente desconsiderada da responsabilidade das companhias aéreas pelos padecimentos dos seus passageiros, sem relação direta, ou sem relação alguma, com as graves deficiências do sistema de controle de vôo e da gestão da rede nacional de aeroportos. Tem todo cabimento investigar o descalabro do overbooking, o atendimento de segunda dispensado aos clientes, a loteria dos vôos fretados, as irracionalidades no traçado da malha aérea, provocando atrasos em cascata - em suma, a qualidade do transporte aéreo no País, cujas mazelas parecem acompanhar o aumento da procura pelo serviço.