Título: As patentes e o desenvolvimento
Autor: Reinach, Fernando
Fonte: O Estado de São Paulo, 10/05/2007, Vida&, p. A22

Ao quebrar uma patente para economizar US$ 30 milhões, o governo brasileiro enviou um péssimo sinal às empresas que desenvolvem tecnologia no Brasil. Primeiro porque colocou o País em uma posição muito fraca para defender a propriedade intelectual brasileira que venha a ser contestada no exterior. Segundo, ao afirmar que não pretende respeitar sequer a propriedade intelectual gerada no próprio País, o governo desestimula o investimento em inovação.

O Brasil sinalizou o quanto valoriza sua própria propriedade intelectual. Com que moral vamos reclamar se os países que produzem aviões decidirem quebrar as patentes da Embraer para gerar empregos? Ou como vamos protestar se algum país usurpar as variedades de plantas patenteadas pela Embrapa para alimentar suas populações? É difícil encontrar uma explicação para essa atitude.

Talvez o governo realmente acredite que o Brasil não gera propriedade intelectual digna de proteção. Mas o mais provável é que a relação entre propriedade intelectual, inovação e geração de riqueza ainda não seja compreendida em Brasília. Vale a pena recordar.

Imagine que você, durante a revolução industrial e em outra encarnação, foi o inventor da máquina de costura. Você dedicou anos desenvolvendo o pedal que aciona a máquina, gastou tempo e dinheiro para fazer a agulha subir e descer em sincronia com o mecanismo que movimenta o pano para a frente. Finalmente, você lança a máquina no mercado. No primeiro dia, alguém compra uma de suas máquinas, desmonta a ¿coitada¿ e produz uma cópia. Sem investir um tostão no desenvolvimento da tecnologia, ele se torna seu competidor. Será que nos anos seguintes você vai investir esforço e dinheiro para produzir a máquina de costura versão 2? Pouco provável. Você vai esperar que outro faça o papel de trouxa que lhe coube no desenvolvimento da versão 1. O resultado é a paralisia do processo de inovação. Foi essa constatação que levou os ingleses a introduzir as primeiras leis detalhadas de proteção da propriedade intelectual por volta de 1700.

O princípio é simples. A lei exige que você descreva detalhadamente o invento. Caso o invento seja inovador, você recebe o direito de impedir que seus competidores comercializem seu invento durante alguns anos. Os lucros maiores que você aufere durante esse tempo devem, em princípio, recompensar o risco e o esforço que você gastou desenvolvendo a máquina de costura. Sabendo desse incentivo você e seus competidores vão correr o risco de desenvolver a versão 2 da máquina de costura. O ritmo do desenvolvimento tecnológico aumenta.

O que poucos apreciam na estrutura das leis de patentes é que, para obtê-la, você tem de revelar os detalhes de sua invenção, abrindo mão de todos seus segredos industriais. Esse fato permite que outros inventores, mesmo durante o período de validade da patente, desenvolvam novas invenções utilizando o conhecimento descrito nas suas patentes. Dessa forma, ao mesmo tempo em que as patentes recompensam o risco da atividade de desenvolvimento, elas aumentam a velocidade com que as tecnologias são substituídas. O ganho que o país tem com o rápido progresso tecnológico, que em poucos anos reduz o custo das máquinas de costura, mais que compensa o preço inicialmente mais alto de um produto patenteado.

É unânime entre especialistas em desenvolvimento tecnológico que sem o respeito às patentes dificilmente ocorre inovação. Entretanto, existe um amplo debate em torno do tempo justo de validade das patentes e também em que condições os países têm o direito de desrespeitar patentes.

Todos os países aceitam que em caso de segurança nacional ou em uma emergência os governos podem quebrar patentes. O que ocorreu na semana passada é que o governo brasileiro decidiu que uma economia de US$ 30 milhões anuais no Orçamento de bilhões de dólares do Ministério da Saúde era um caso de segurança nacional e utilidade pública. O triste é que não se ouviu um único protesto da comunidade científica e tecnológica nacional.