Título: A submissão de Evo Morales
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Fonte: O Estado de São Paulo, 19/05/2007, Notas e Informações, p. A3

O Brasil é acusado de ser o Gigante Imperialista, mas é da Venezuela que a Bolívia está se tornando colônia. Há método nesse processo de satelitização da Bolívia pelo coronel Hugo Chávez. Além disso, complementam-se as vontades e ambições: as do presidente da Venezuela, de tornar-se o líder da região, transformando os vizinhos em filiais - para não dizer vassalos - de seu regime bolivariano, agora dito ¿socialismo do século 21¿; e as do presidente da Bolívia, que tenta copiar os métodos de seu mestre para se manter e permanecer no poder por prazo indefinido.

A ascendência de Hugo Chávez sobre Evo Morales é impressionante. Foi ele o principal financiador da campanha eleitoral de seu colega. É do governo venezuelano, pilotado por venezuelanos, o helicóptero que Evo utiliza. Caracas paga os salários de médicos e professores cubanos que trabalham na Bolívia e bolsas para 5 mil bolivianos estudarem na Venezuela. É venezuelano o dinheiro - US$ 30 milhões - que Morales distribui às prefeituras. E foi Chávez quem custeou a rede de rádios comunitárias e de televisão que transmitem a propaganda bolivariana.

Na semana passada, com a consumação da desapropriação das refinarias da Petrobrás em Cochabamba e Santa Cruz, foi afastado o último obstáculo ao projeto da dupla Chávez-Morales. O Brasil seria, por razões históricas, geográficas e econômicas, o parceiro natural da Bolívia. Mas não há afinidade política entre os presidentes Morales e Lula - embora este último insista em dar ao ex-líder cocalero um inexplicável tratamento preferencial.

Sabe-se, há mais de ano, que o programa de governo de Evo Morales é o programa do coronel Chávez. O Decreto Supremo que nacionalizou os hidrocarbonetos foi escrito por técnicos emprestados pelo presidente da Venezuela. E, de lá para cá, o governo venezuelano nunca deixou de assessorar o governo boliviano, inclusive na edição do decreto que praticamente seqüestrou o fluxo de caixa das refinarias e levou à sua definitiva desapropriação.

A Bolívia não poderia tocar os negócios do petróleo e do gás com seus próprios recursos - que são ínfimos. Poderia contar com substanciais investimentos da Petrobrás, mas preferiu afastá-la para abrir caminho para a Venezuela. Antes mesmo da desapropriação se sabia que a Yacimientos Petroliferos Fiscales de Bolivia (YPFB) receberia apoio técnico e financeiro da venezuelana PDVSA. E, nem bem secou a tinta do distrato com a Petrobrás, a YPFB foi autorizada a fechar parceria com a PDVSA para a exploração de campos de petróleo e gás - atividade em que a autonomia da Petrobrás havia sido reduzida, a ponto de a estatal brasileira ter-se transformado em mera prestadora de serviços. Essa parceria deve ser inaugurada com a exploração do Campo de Madidi, situado no mesmo parque nacional onde a Petrobrás e a Total tinham uma concessão, que não pôde ser explorada por falta de licenciamento ambiental.

O governo boliviano espera receber de seu sócio, nos próximos meses, cerca de US$ 3 bilhões em investimentos. Com isso, espera encontrar e produzir, a partir de 2009, o gás necessário para cumprir o contrato de suprimento de 27 milhões de metros cúbicos de gás por dia, assinado com a Argentina. Com a produção atual, a Bolívia tem gás apenas para atender aos compromissos com o Brasil. Dada a pouca confiabilidade dessa fonte, faz bem a Petrobrás em redobrar esforços para acelerar a produção de gás na plataforma continental e construir plantas de conversão de gás liquefeito, que pode ser regularmente fornecido por outros países.

Mas o governo Lula parece não aprender com as duras lições que a dupla Morales e Chávez tem dado ao Brasil. Anuncia-se, agora, que a venda de aviões militares Supertucano para a Bolívia depende de financiamento do BNDES. Esse negócio certamente será bom para a Embraer. Mas a venda de armas é, antes de mais nada, um ato político - e é assim que essa transação precisa ser vista pelo governo brasileiro. Não há por que o Brasil vender armas a um país que a qualquer momento pode criar um incidente fronteiriço, com a expulsão dos fazendeiros brasileiros. E que assinou com a Venezuela um tratado militar que prevê a instalação de bases e o envio de soldados venezuelanos à Bolívia, em caso de conflito interno.