Título: Aos 67, morre Murilo Felisberto
Autor: Manzano Filho, Gabriel
Fonte: O Estado de São Paulo, 12/05/2007, Vida&, p. A26

O passinho miúdo, o dedo em riste e o olhar esperto, o bolo de revistas debaixo do braço, uma paixão imensa por Bach e Vivaldi e uma cachoeira de grandes idéias o tempo todo: eis o retrato essencial, inconfundível, de uma das maiores figuras do jornalismo brasileiro dos últimos 40 anos, Murilo Agostini Felisberto, que morreu ontem de manhã, aos 67 anos, no Hospital Santa Catarina, em São Paulo.

Um dos fundadores do Jornal da Tarde, onde chegou em 1965 e que dirigiu por duas ocasiões - de 1968 a 1978 e depois ,de 2000 a 2003 -, Murilinho, como o chamavam as dezenas de jornalistas que ele comandou, estava internado desde 30 de abril. Um tumor no fígado trouxe complicações que impediram qualquer cirurgia, e uma falência múltipla dos órgãos o levou por volta de 11h30 de ontem. O velório, na Beneficência Portuguesa, se estende até as 8 da manhã de hoje, quando será levado para o cemitério de Vila Alpina, onde será cremado.

¿Ele esteve consciente o tempo todo, queria conversar e saber as fofocas do dia. Ninguém esperava que se fosse tão depressa¿, diz sua filha Carlota, que o acompanhou a cada momento, nos últimos dez dias. ¿Falei com ele há dez dias, de Nova York. Ele me pediu um montão de revistas e só me disse, de passagem, que não estava se sentindo bem¿, recorda Maria Ignez Whitaker, com quem ele esteve casado entre 1971 e 1978 - mas da qual, na prática, não se afastou por todos esses anos. Além de Carlota, Murilo deixa o neto Antonio, de 4 anos.

¿Nós nos víamos muito, ele ia sempre a Nova York e meus outros cinco filhos o adoravam como se fosse pai deles¿, lembra Maria Ignez. Um dos amigos mais chegados, o jornalista Moisés Rabinovici, lembra-se de uma derradeira frase dele, uma semana atrás: ¿Rabininho, ligue para mim às vezes. Ando meio sozinho...¿

Mineiro de Lavras, onde se formou no colégio americano Gamon, Murilo se consagrou bem cedo, em Belo Horizonte e no Rio de Janeiro, como um jornalista fora-de-série. A busca rigorosa do bom texto, a percepção rápida de melhor notícia e a genialidade com que criava belíssimas páginas, tantas vezes premiadas, deixaram fundas marcas na vida das redações brasileiras - o Diário de Minas e o Jornal do Brasil, no início, depois rápidas passagens por Senhor, Realidade, Folha de S. Paulo e Manchete, até fincar raízes no Jornal da Tarde. Ali, a partir de 1965 ajudou Mino Carta a fazer uma revolução no jornalismo: a de oferecer ao leitor textos claros e diretos e serviços, em páginas sempre bonitas. Ganhar prêmios tornou-se para ele uma rotina, naqueles idos entre 1970 e 1990.

¿A pessoa mais importante da minha vida foi o Muri-lo, não só porque me ensinou muito, como pelas oportunidades que me deu¿, diz seu antigo ¿foca¿ e hoje escritor Fernando Morais. Além de Fernando, Murilinho foi buscar em Minas, no início do JT, talentos como Fernando Mitre, Ivan Ângelo, Flávio Márcio, Carmo Chagas e Moisés Rabinovici, entre outros.

¿Ele era uma usina de idéias¿, afirma um de seus melhores alunos, o diretor de Jornalismo da TV Bandeirantes, Fernando Mitre. ¿O Mu tinha horror à grosseria e à mediocridade¿, lembra-se Nirlando Beirão. ¿Ele parecia esgueirar-se pelas paredes do mundo, mas era efetivo e decisivo, sempre.¿ Sua capacidade de virar uma idéia pelo avesso e sacar uma edição notável surpreendia as redações. Talvez a única coisa que o encantasse mais era o gosto, quase obsessão, por uma boa fofoca. Inevitavelmente, sua corte, pelas redações e restaurantes paulistanos, acabou por apelidá-lo, carinhosamente, de ¿Rainha¿.

Sabia sempre quem estava namorando quem. Perder um amigo mas não perder a piada era com ele - e ninguém jamais deixou de admirá-lo por isso. ¿Sua inteligência cortante e permanente ironia ocultavam uma enorme timidez¿, define um de seus antigos aprendizes, Ricardo Setti. ¿É uma notícia triste para o jornalismo. Vamos sentir sua falta¿, resume um de seus mineiros, Carmo Chagas.