Título: Bento XVI - serenidade e firmeza
Autor: Di Franco, Carlos Alberto
Fonte: O Estado de São Paulo, 21/05/2007, Espaço Aberto, p. A2

A cobertura da imprensa da recente visita do papa ao Brasil, completa e profissional, marca um capítulo na história do jornalismo de qualidade. Emissoras de TV, rádios, jornais, revistas e sites deram um espetáculo de competência técnica e informativa. O estereótipo de um papa frio e duro desabou na sua primeira aparição na sacada do Mosteiro de São Bento. Bento XVI transmitiu uma simplicidade que comoveu e cativou.

Sua mansidão, no entanto, não se confundiu com qualquer tipo de ambigüidade concessiva. Numa visita marcada pela força da palavra, o papa falou claro. Diante de multidões de milhares de fiéis, defendeu com veemência a doutrina católica. Apresentou a verdade cristã sem meias palavras. Ao contrário do que alguns imaginavam, talvez aprisionados por certas algemas ideológicas, a exigência amável do papa exerceu forte poder de atração, sobretudo no público jovem.

No encontro com milhares de jovens no Estádio do Pacaembu, o papa defendeu a pureza antes do casamento, condenou a infidelidade no matrimônio e não deixou de pedir por mais vocações sacerdotais. Ele também reafirmou que a Igreja não precisa de católicos nominais, mas de católicos capazes de seguir o exemplo de Cristo. O discurso, que durou 40 minutos, foi interrompido várias vezes pelos aplausos do público.

O papa não deixou de falar dos desafios que os jovens enfrentam no mundo moderno, marcado por ¿um enorme déficit de esperança¿, pelo ¿medo de morrer¿ e pelo ¿medo de sobrar¿. A alternativa a isso, sublinhou, é a plena adesão, de forma convicta e rigorosa, aos mandamentos da Igreja. A resposta dos jovens, surpreendente para alguns, foi uma impressionante ovação.

No momento mais informal e descontraído de sua viagem ao Brasil, o papa encontrou-se com 2.500 dependentes de drogas. Emocionado, chamou-os de ¿prediletos de Deus¿ e se deixou tocar, abraçar e beijar. Mas foi duríssimo ao se referir aos traficantes. ¿Deus vai-lhes exigir satisfações¿, disse com energia. ¿A dignidade humana não pode ser espezinhada dessa maneira.¿ E completou: ¿O mal provocado recebe a mesma reprovação dada por Jesus aos que escandalizavam os `pequeninos¿, os preferidos de Deus.¿ O papa referia-se ao Evangelho de São Mateus (18, 6), em que Jesus diz ser preferível prender uma pedra e lançar ao mar os que fizeram mal às crianças. As 7 mil pessoas presentes ao evento interromperam o discurso para o aplauso mais entusiasta do dia.

Bento XVI manifestou clara preocupação com a formação do clero e fez um apelo aos bispos para que tenham o devido discernimento ao avaliar as vocações sacerdotais. Recomendou que se leve em consideração a ¿dimensão espiritual, psicoafetiva e pastoral¿ em jovens maduros e disponíveis ao serviço da Igreja. ¿Um bom e assíduo acompanhamento espiritual é indispensável para favorecer o amadurecimento humano e evita o risco de desvios no campo da sexualidade¿, alertou.

No seu último discurso, profundo, racional e sereno, com que abriu a 5ª Conferência-Geral do Episcopado da América Latina e do Caribe, o papa voltou a algumas de suas teses fundamentais: a importância da identidade do cristão e das sociedades que se formaram à luz de princípios evangélicos. ¿Quem exclui a Deus do seu horizonte distorce o conceito de realidade e só pode terminar em caminhos equivocados e em receitas destrutivas¿, disse. Para ele, o grande erro das tendências dominantes no último século (e que ainda persistem), erro destrutivo, como demonstram os resultados práticos tanto dos sistemas marxistas como dos capitalistas, foi a falsificação do conceito de realidade com a amputação da verdade criadora, e por isso decisiva, que é Deus.

Os impressionantes aplausos ao papa Bento XVI, considerado por alguns um solitário na contramão da História, não podem ser explicados por critérios sociológicos. O ímã do pontificado - do carismático João Paulo II, do racional Bento XVI e todos - reside numa reiterada percepção secular: a consciência de que o papa é o único homem no qual milhões de pessoas vêem um vínculo direto com Deus. O papa, além disso, galvaniza a nostalgia de Deus que floresce sobre os cacos que sobraram das tentativas de liberação do transcendente.

Alguns, equivocadamente, imaginam que o influxo cristão sobre os assuntos temporais deveria não existir. Gostariam de ver o papa reduzido à liderança de uma ONG da boa vontade. Querem ver a religião reduzida ao culto, sobretudo privado. Entrincheirada no ambiente rarefeito das sacristias, estaria desprovida de qualquer possível projeção social. A História, no entanto, demonstra que o sucessor de Pedro, depositário da fé e da coerência doutrinal da Igreja, sempre será ¿sinal de contradição¿. E os seus seguidores, embora iguais aos demais, são, ao mesmo tempo, fermento, sal, levedura.

O crescimento da Igreja, como bem salientou o papa, se dá ¿muito mais por atração¿, nunca por imposição. Entre uma pessoa de fé e um fanático existe uma fronteira nítida: o apreço pela liberdade. O sectário assume a sua convicção com exasperada intolerância. O fanático impõe. Empenha-se em aliciar. A pessoa de fé, ao contrário, assenta serenamente em seus valores. Por isso, a sua convicção não a move a impor, mas a estimula a propor, a expor à livre aceitação dos outros as idéias que acredita dignas de ser compartilhadas.

Nos cinco dias da visita do papa, em São Paulo e em Aparecida, multidões foram confirmadas na fé, cresceram em segurança, sepultaram respeitos humanos e, sobretudo, abriram um grande espaço de liberdade.