Título: Moscou e UE perdem com rixa
Autor: Karaganov, Sergei A.
Fonte: O Estado de São Paulo, 21/05/2007, Internacional, p. A10

O atual estágio das relações entre russos e a Europa causar espanto. Mal-entendidos e questões de menor importância prevalecem sobre interesses compartilhados muito mais profundos.

Os interesses são evidentes: a necessidade de impedir ou administrar a proliferação de armas de destruição em massa; a luta contra o terror - fadada a intensificar-se após a inevitável retirada dos americanos do Iraque -, a necessidade de acalmar, evitar ou confrontar o extremismo islâmico.

Há também um interesse comum, embora oculto, de conduzir os EUA para fora do unilateralismo ruinoso na direção de uma posição de liderança efetiva num mundo multilateral.

A questão que deveria unir Rússia e União Européia, hoje muito complicada, é a energia. A Rússia, como fornecedora, naturalmente que está interessada em preços mais altos. A Europa, em preços mais baixos. A diferença poderia ser superada se as partes tivessem concordado com uma estratégia comum. À Rússia seria oferecida a propriedade e, portanto, o controle parcial sobre a distribuição européia. Em troca, seria oferecido aos europeus propriedade parcial e o controle da extração russa.

É basicamente isso que o presidente Vladimir Putin vem propondo nos últimos anos. Mas até agora a proposta tem sido recebida de modo negativo.

A Rússia tem sido acusada de imperialismo energético, de não ser uma fornecedora confiável (como se a Europa tivesse fornecedores mais confiáveis), de ser incapaz de desenvolver seus próprios recursos. Tem sido ameaçada com uma ¿Otan da energia¿, uma política energética comum européia.

Se eu fosse um mesquinho nacionalista russo, esfregaria as mãos de contentamento porque, numa luta acirrada, Moscou venceria. A Rússia poderia engajar-se no estabelecimento de um cartel de fornecedores, podendo redirecionar parte de seus suprimentos para o Oriente. Isso seria uma derrota estratégica para a Europa.

Existem razões objetivas para o fracasso da ação pelo interesse comum. Uma é a diferença no estágio de desenvolvimento político. A Rússia passa por uma restauração pós-revolucionária, está retomando a noção de Estado e os valores banidos durante o comunismo - como religião, individualismo, ambição.

A influência da Rússia tem, temporariamente, ficado acima do limbo da década de 90, criando uma nova autoconfiança e, às vezes, arrogância. A influência européia, por seu lado, tem diminuído, criando uma sensação de fraqueza e vulnerabilidade.

Por causa desses e outros fatores, nenhum dos dois lados é capaz de formular e implementar políticas de longo prazo que tenham como base os interesses mútuos. Questões secundárias e mesmo ridículas ganham a atenção pública.

A fonte primordial de controvérsia é o que chamamos de ¿rivalidade de vizinhança¿. Na Ucrânia, Europa (com os EUA) e a Rússia competiram nas eleições de 2004 e agora competem na causa da caótica política ucraniana. Cada lado escolheu apoiar equipes diferentes das oligarquias locais. Acredita-se que uma delas seja pró-russos e antidemocrática e a outra, democrática e pró-europeus.

Também há conflitos por causa da imposição um tanto estranha da Rússia de preços de mercado sobre o gás fornecido à Ucrânia. E quando Moscou tentou acabar com os subsídios imorais sobre o petróleo e o gás para a Bielo-Rússia, foi acusada de tramar uma anexação política.

Os russos concluíram que serão sempre abominados seja lá o que fizerem. O que anula o poder moral das críticas européias, mesmo quando apropriadas.

Depois, há o problem dos ¿Estados não reconhecidos¿ - territórios que se separaram da Moldávia, Geórgia e Azerbaijão depois de conflitos sangrentos. A questão é controvertida, mas de tão pouca importância que se pergunta porque se gasta tanto tempo e esforço com ela.

E há a Estônia. A UE decidiu dar apoio a Tallin na retirada do Monumento ao Soldado Soviético Desconhecido, o que Moscou vê como uma tentativa de reescrever a história da 2ª Guerra.

Enquanto Rússia e UE perdem tempo na rivalidade equivocada, ambas passam pelo enfraquecimento de suas posições.

A maior parte do mundo acredita que a Europa perderá a disputa por influência internacional porque sua política externa comum permite que pequenos Estados dêem ordens a Berlim, Paris ou Roma. Além disso, ¿questões de poder¿ tais como poderio militar e energia, nos quais a Europa é fraca, ganham novamente importância.

Da sua parte, a Rússia, apesar de seu atual surto de crescimento econômico e influência internacional, precisa se confrontar com muitos desafios geopolíticos de longo prazo com os quais não pode lidar sozinha como o crescimento da China e a ascensão do islamismo radical.

Uma aliança estratégica entre a Rússia e UE, que incluiria questões relativas à energia, talvez não seja politicamente correta nesse ponto. Mas evidentemente é tão benéfica para ambos os lados que deve ser posta sobre a mesa de negociações.