Título: Qual é o medo do Banco Central?
Autor: Oliveira, Ribamar
Fonte: O Estado de São Paulo, 21/05/2007, Economia, p. B2

A inflação está em queda, os indicadores fiscais melhoraram, o crédito está em expansão, os riscos da economia mundial diminuíram, as exportações brasileiras estão em ritmo acelerado, as reservas internacionais nunca foram tão elevadas, o risco Brasil bateu recorde de queda e a cotação do dólar despencou, o que retira qualquer perspectiva de pressão inflacionária para os próximos meses. Em um cenário tão benigno como este, é difícil entender os motivos que levam o Banco Central (BC) a manter um ritmo tão lento de redução da taxa de juro.

Na verdade, os indicadores econômicos do Brasil estão melhorando já faz algum tempo. O dado novo é a mudança significativa das expectativas dos agentes econômicos. Os principais analistas do mercado passaram a identificar as condições atuais da economia brasileira como excepcionais. Alguns deles estão envolvidos em uma esotérica discussão que procura saber se os atuais indicadores econômicos são ou não os melhores da história republicana.

Os empresários estão mais otimistas e acenam com mais investimentos. Ninguém acredita em retorno da inflação ou em crise mundial que mude este cenário benigno no curto e médio prazo. A única nuvem negra no horizonte é a perspectiva de uma maior valorização do real, com suas conseqüências malévolas para as indústrias brasileiras.

É evidente que os elevados saldos comerciais acumulados pelo Brasil, nos últimos anos, tornaram a valorização do real inevitável. Além disso, a cotação do dólar está caindo em todos os países do mundo e decorre do brutal déficit comercial dos Estados Unidos. O problema é que o Brasil tem um ingrediente a mais do que os outros países, que contribui para a valorização da moeda: a elevada taxa de juro interna.

Mesmo em queda nos últimos 21 meses, o juro real brasileiro ainda é o mais elevado do mundo e, por isso, atrai capitais especulativos, que ganham com a diferença entre a taxa interna e a taxa internacional. Alguns investidores estão ganhando muito dinheiro nessas operações. Elas são simples: os investidores captam dólar no exterior - pagando libor (a taxa de juro do mercado londrino); com os recursos, compram reais e investem em títulos do Tesouro Nacional; depois adquirem dólar no mercado futuro. Eles ganham com a diferença entre os juros e com a desvalorização do dólar frente ao real.

É preciso fechar, portanto, essa porta, por onde já entraram US$ 14,5 bilhões, de janeiro de 2006 a março deste ano, segundo matéria publicada pelo Estadão. E só há uma forma de fechar essa porta: reduzir a diferença entre a taxa de juro real interna e a externa. Os economistas sabem disso, o governo sabe disso, mas parece que o Banco Central tem outro entendimento do problema.

É difícil entender as razões do BC para um ritmo tão lento na redução da taxa de juro. O presidente do BC, Henrique Meirelles, insiste em afirmar que a autoridade monetária não tem meta para a taxa de câmbio e nem para a expansão da economia. Segundo ele, a única meta é para a inflação. Pois bem, a taxa de inflação prevista para este ano pelas principais instituições financeiras do País está em torno de 3,6% - um índice bem abaixo da meta fixada pelo Conselho Monetário Nacional (CMN), que é de 4,5%.

Por isso, o senador Aloizio Mercadante (PT-SP) acha que a diretoria do BC tem uma meta própria para a inflação deste ano, que não é aquela definida pelo CMN. Mercadante lembra que, nos últimos 13 meses, a inflação observada está abaixo da meta oficial. Uma inflação mais baixa que a meta significa taxa de juro mais elevada do que deveria ser. Para Mercadante, se o BC trabalhasse com uma inflação de 4,5%, poderia reduzir os juros de forma mais rápida.

O ex-ministro da Fazenda Delfim Netto acusa o Banco Central de trabalhar com a tese de que a economia brasileira não pode crescer mais de 3,5% ao ano - ou seja, o PIB potencial brasileiro não sustenta crescimento superior a esse sem inflação. Segundo Delfim, a taxa de juro elevada evita que o ritmo da economia ultrapasse esse limite.

Se os diretores do BC temem que uma taxa real de juro mais baixa provoque aumento da demanda interna e, em conseqüência, pressão inflacionária, eles deveriam deixar isso explicitado nas atas do Comitê de Política Monetária (Copom). Mas não o fazem. Assim, a sociedade brasileira fica sem saber os reais motivos de uma trajetória tão conservadora para a queda dos juros.

A situação é tão surrealista que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva ficou constrangido ao ser perguntado pelo jornalista Fábio Panunzio, na sua segunda entrevista coletiva, se o BC não estava convencido que a economia brasileira vive um bom momento. Se a situação econômica é tão boa, por que o Banco Central não reduz os juros, quis saber Panuzzio. Lula ficou sem resposta.