Título: Ameaças aos planos de saúde
Autor: Mendonça, Antonio P.
Fonte: O Estado de São Paulo, 21/05/2007, Economia, p. B5

Durante anos, a maior ameaça aos planos de saúde privados brasileiros foi a soma de ações dos Poderes Executivo e Legislativo. Um fazia demagogia de um lado, outro do outro, e o resultado era o invariável desequilíbrio de uma conta que precisa fechar, porque, se não, os planos quebram.

Ainda não se inventou, no mundo dos negócios, mágica capaz de fazer alguém com a despesa maior que a receita sobreviver por muito tempo. E os planos de saúde privados não são a exceção. Sem o equilíbrio entre entrada e saída, eles não suportam atender seus consumidores além de um determinado ponto.

Demorou, mas o Poder Executivo, através da ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar), descobriu o óbvio e a ação da Agência tem sido, nos últimos anos, no sentido de pautar o assunto com a razoabilidade necessária para evitar que empresas de saúde privada quebrem, não por falha de gestão, mas em função de suas saídas serem maiores do que as entradas.

Por outro lado, o Legislativo, apesar de ter nas suas gavetas projetos-de-lei com idéias mirabolantes e sem qualquer base na realidade, tem sido modesto na legislação envolvendo o tema, pelo menos desde a promulgação da lei dos planos de saúde, em 1998.

O resultado desta feliz soma de circunstâncias foi a melhora expressiva das contas dos planos de saúde privados ao longo dos dois últimos exercícios. Esta melhora não significa a solução de todos os problemas, nem promete um cenário azul para o setor, mas é um avanço importante, que se reflete no ponto mais sensível de toda a operação: a garantia do atendimento da população.

Desde a quebra da Interclínicas o mercado não viveu nenhum outro trauma de grandes proporções. Depois disto, nenhuma outra operadora quebrou em condições tão desfavoráveis, nem milhares de consumidores foram prejudicados de forma tão aguda, tanto no atendimento pelas redes credenciadas, como no preço de seus planos.

É importante insistir que a ação mais madura e mais profissional da ANS foi decisiva para este cenário. Graças a ela, o setor passou a ter reajustes de preços mais de acordo com a realidade nos planos novos e, principalmente, nos planos anteriores à lei de 1998, onde as regras para o aumento do preço não são padronizadas e onde ainda existe uma defasagem, fruto da longa demagogia com que o assunto era tratado anteriormente.

Mas se o cenário vai-se normalizando, por conta da atuação competente do Poder Executivo e pela falta de leis ruins votadas pelo Legislativo, o Poder Judiciário tem contribuído para diminuir a segurança jurídica indispensável para este tipo de relação contratual.

Existem contratos abusivos, existem situações que merecem a interferência do Judiciário e, além disto, não são todas as decisões que afrontam o bom direito. Mas para alguns juízes, tanto faz se existe decisão do Supremo Tribunal Federal pautando um determinado procedimento, ou se o contrato não está sujeito às regras posteriores a ele. Tanto faz o bom senso. O que vai prevalecendo, principalmente em decisões de primeira instância, é a concessão de toda sorte de liminares obrigando os planos a custearem os mais diversos procedimentos, independentemente de estarem expressamente excluídos ou, o que é mais grave, não terem sido deliberadamente contratados pelos consumidores.

Parece que não cai a ficha, ou que o princípio que dá sustentação a este tipo de produto - a repartição dos custos de alguns pela totalidade de uma determinada comunidade de usuários - é desconhecido de parte dos magistrados.

Cada vez que uma decisão judicial obriga uma operadora a arcar com os custos de tratamentos excluídos, quem efetivamente paga não é a 'rica' operadora, mas seus segurados, que, no reajuste de seus planos, recebem o rateio da conta da sinistralidade sem cobertura, paga em função destas decisões. O que precisa ficar claro é que caridade com o dinheiro do outro não é justiça e, no caso, só serve para esconder produtos que a sociedade necessita.