Título: A crise da USP
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 18/05/2007, Notas e Informações, p. A3
A invasão do prédio da administração central da USP e a forma como os dirigentes da instituição se comportaram nas duas primeiras semanas da ocupação, aceitando ¿negociar¿ a desocupação e cedendo a reivindicações absurdas que iam sendo substituídas à medida que as primeiras eram aceitas, causaram a reação indignada de parte do corpo docente da universidade. Tanto no campus universitário do Butantã quanto nas diversas unidades localizadas no interior do Estado, congregações e conselhos departamentais, assim como professores individualmente, lançaram notas de protesto, cobrando maior rigor da reitora Suely Vilela e exigindo que os invasores sejam punidos de maneira exemplar, inclusive com a expulsão, medida que está prevista no estatuto e no regimento da maior universidade pública do País.
Um dos documentos mais contundentes enviado à reitora Suely Vilela partiu do Instituto de Física. Assinado por nove professores, o texto afirma que os dirigentes da USP jamais deveriam ter aceito negociar com os invasores, pois ¿não se pode abrir diálogo com quem usa a força para chegar a seus objetivos¿. E lembra que uma ¿universidade decente¿, por estar organizada em torno do princípio do mérito e do ¿pensamento íntegro como forma de agir¿, não pode ter seu processo decisório confundido com uma democracia.
O texto denuncia a manipulação dos órgãos de representação estudantil por partidos políticos, acusa os invasores de ameaçar a integridade física e moral do corpo docente e pede à reitora Suely Vilela que providencie proteção policial. ¿Somos professores e pesquisadores na defesa de um ideal (...) e nos sentimos ameaçados por um grupo de desclassificados que vagueiam pela Universidade. Qualquer forma de intimidação deve ser respondida com força total, dentro da lei¿, conclui o documento.
Mais contundente ainda é o ofício enviado pelo professor Francisco Alcaraz à direção do Instituto de Física de São Carlos, descrevendo o que ocorreu na semana passada, naquele campus da USP, quando uma minoria de estudantes e de funcionários fez uma ¿manifestação de apoio¿ à invasão da Reitoria. Ele conta que, ao tentarem entrar nas salas de aula e nos laboratórios, vários docentes foram agarrados e xingados. Descreve as ¿atitudes truculentas e vexatórias¿ dos manifestantes, inclusive contra professores sexagenários e com deficiência física. E afirma que o esquema de segurança da USP não estava funcionando na ocasião e que os docentes e pesquisadores da unidade em momento algum receberam qualquer proteção.
¿Senti morrer em mim todo o orgulho e satisfação em dar e preparar meus cursos nesta Universidade. Senti-me indignado em ministrar cursos a estes alunos (...). Se existe algo que cultivei e preservei nos meus quase 30 anos de carreira universitária é minha dignidade. Em toda minha vida como cidadão brasileiro e como professor, nunca tive tal qualidade questionada, muito menos roubada e vilipendiada (como aconteceu agora)¿, conclui o professor Alcaraz, após acusar a reitora Suely Vilela de estar mais preocupada em se compor com minorias estudantis do que em defender ¿o patrimônio maior da USP, a dignidade de seu corpo docente¿.
É justamente esse o denominador comum de muitas notas de protesto emitidas por professores e órgãos colegiados contra a invasão da Reitoria. Pela primeira vez na história da instituição, docentes das mais variadas áreas do conhecimento criticam publicamente a excessiva leniência com que a USP há muito tempo vem tratando as minorias de estudantes irresponsáveis e radicais que recorrem à intimidação e à truculência para servir a interesses políticos estranhos à vida acadêmica e impedir o funcionamento de uma instituição mantida pelo dinheiro dos contribuintes.
Tanta contemporização acabou dando a essas minorias a certeza da impunidade. Ou seja, a idéia de que não há limites às suas formas de protesto, como se não houvesse obstáculos legais à destruição do patrimônio público e de que não é preciso prestar contas aos contribuintes que financiam sua capacitação profissional. Contra isso reagem os signatários das notas de protesto que cobram dos dirigentes da USP o cumprimento da lei, com punições exemplares para os invasores da Reitoria.