Título: Liberdade de expressão
Autor: Periscinoto, Alex
Fonte: O Estado de São Paulo, 09/05/2007, Espaço Aberto, p. A2
Em plena contramão diante de todos os países livres do mundo, assim como já acontece há décadas em Cuba, a Venezuela também poderia oficializar o dia 3 de maio como o dia de Finados da Liberdade de Imprensa.
Só o prometido fechamento da RCTV - a maior emissora de TV do País, que teima em exercer seu direito democrático de discordar do estilo mussolínico do governo Hugo Chávez - já é suficiente para mostrar o quanto devemos estar felizes em poder comemorar aqui, no mesmo 3 de maio, o Dia Mundial da Liberdade de Imprensa.
Merecemos esse momento depois de 25 anos de ditadura militar, para ficar na História recente. Vimos, numa lição amarga, o quanto é sofrido viver num ambiente sem liberdade de expressão. Apesar de termos sido obrigados a conviver praticamente três gerações com a inteligência e a criatividade submetidas ao toque de recolher, essa violência psicológica acabou sendo pedagógica pelo caminho inverso - a falta da liberdade de pensar, escrever, falar, criar gerou um oposto: o tudo pode. Para baixar a bola de exageros cometidos pelos veículos de comunicação, existe a lei específica que até pode ser agregada a algo nascido dentro do próprio meio profissional, como fizemos com a publicidade ao criarmos o Conselho de Auto-Regulamentação Publicitária (Conar).
A auto-regulamentação dos veículos de comunicação, para que exerçam a liberdade prevista por nossa Constituição, é o único caminho possível para continuarmos a garantir no País o livre fluxo do pensamento e da criatividade. Não podemos aceitar iniciativas que, a pretexto de defender a sociedade dos abusos dos veículos de comunicação, querem, na verdade, estabelecer um controle nas mãos dos governos transitórios. Sempre foi assim na História: os censores nunca confessam que estão a serviço de seus próprios interesses, eles procuram se legitimar dizendo que trabalham para salvar os cidadãos indefesos.
No Conar, os próprios publicitários, por meio de um conjunto de normas serenas e firmes criadas por quem vive a realidade profissional, exercem uma ação saneadora necessária diante de abusos na forma ou conteúdo de peças publicitárias que agridem os direitos das pessoas não apenas como consumidores, mas também como cidadãos, preservando sempre, é claro, o direito sagrado de defesa da agência ou anunciante.
Essa maturidade das instituições ligadas à comunicação foi, por mais absurdo e indigesto que seja, um efeito colateral positivo da repressão. Mas não é por isso que vamos dar a chance de que tentem nos fazer engolir novamente o veneno do autoritarismo. Para isso, temos de estar espertos para duas coisas: ter inteligência para usar a liberdade de expressão como aquilo que ela é, ouro em pó, e saber construir empresas de comunicação empresarialmente fortes, porque só assim elas conseguirão blindar sua independência opinativa contra ataques dos déspotas de plantão. Fazer empresas fortes vai além de ter gente talentosa escrevendo e criando com vocação, garra e coragem. Significa ser altamente profissional na gestão dos recursos gerados de forma transparente e legítima pela publicidade.
É aqui que nós entramos na vida da imprensa livre como seu irmão siamês. Somos aliados fiéis, fortes e decisivos da liberdade de expressão porque graças à atividade publicitária profissional as empresas privadas obtêm resultados que geram lucros, aumento de produção, empregos, melhores salários, maior poder aquisitivo, que, por sua vez, levam à repetição saudável do ciclo produtivo. Desse êxito nasce a verba publicitária que, administrada pelas agências junto aos veículos de comunicação, cria condições para que elas se fortaleçam e ganhem condições até para se proteger contra a bílis dos autocratas que, manipulando sua gigantesca dinheirama estatal a serviço das próprias ambições ou megalomanias, acham que têm o poder divino de fazer nascer ou morrer emissoras de TV, jornais e revistas.
Empresas de comunicação solidamente montadas e profissionalmente inseridas no ambiente publicitário são instituições com vida própria, diante das quais o Estado, mesmo com o poder sedutor e milionário das suas verbas publicitárias, não conseguirá transformar lobo em ovelha - desde que, é lógico, o lobo seja autêntico e não fuja gritando ¿méééé¿ no primeiro safanão.
A emissora de TV venezuelana RCTV está mostrando exatamente essa heróica resistência. Pode até ser que, apesar de ser empresarialmente forte, ela não sobreviva à truculência do maluco-beleza. Mas a pancada dele terá de ser explícita, simplória, vulgar, intelectualmente indefensável, coisa que nem o ¿revolucionário-bolivariano¿ gosta de expor. Ele vai inventar ¿razões¿ abstratas, ¿legais¿, etc., para tirar a RCTV do ar. Pode até ser apenas mais um show histriônico do déspota não esclarecido. Mas pode não ser.
De qualquer maneira, a RCTV tem minha torcida. Assim como também estou fazendo a maior figa para que os publicitários venezuelanos consigam sobreviver ao tsunami que está aniquilando a iniciativa privada e, no seu bojo, as fontes de recursos que fazem da publicidade uma atividade profissionalmente forte, decente, útil e necessária numa sociedade economicamente moderna. Mas, não sei não.
Pode até acontecer, se continuar do jeito que a coisa vai, de sobrarem apenas dois tipos de anúncios para os criativos venezuelanos fazerem: um, vendendo as boinas fashion do Chávez. E outro, com artigos importados dos dois países vizinhos, cujos poderosos compartilham as mesmas idéias caducas do milico: da Bolívia, ponchos indígenas by Evo Morales, e de Cuba, os Chevrolets 51.