Título: Transposição do Rio São Francisco divide bispos
Autor: Mayrink, José Maria
Fonte: O Estado de São Paulo, 09/05/2007, Nacional, p. A7
As águas do Rio São Francisco, que banham os Estados da Bahia, de Pernambuco, Alagoas e Sergipe, dividem os bispos católicos do Nordeste. Todos defendem a revitalização, um consenso documentado em declarações que apóiam iniciativas do governo para acabar com o assoreamento causado pelo despejo de esgotos e retirada de areia que estão matando o rio. As divergências começam quando se fala em transposição ou captação das águas, projeto do Ministério da Integração Nacional que o presidente Lula promete executar.
Os bispos do Regional Nordeste 3 da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), que reúne as 24 dioceses da Bahia e de Sergipe, são contra a transposição, embora nem todos sejam tão radicais quanto d. Luiz Flávio Cappio, de Barra (BA), que em 2005 fez 11 dias de greve de fome, em protesto contra os planos do governo. ¿Há pelo menos sete anos, desde o momento em que se falou em privatização da água, os bispos da Bahia tratam dessa questão¿, disse o cardeal Geraldo Majella Agnelo, arcebispo de Salvador.
Contrário ao projeto de transposição, d. Luiz acha que o governo está deixando cada dia mais claras as suas intenções. ¿Havia antes uma cortina de fumaça e propaganda enganosa, pois se alegava que o objetivo era dar água à população. Hoje, vê-se que o objetivo é favorecer o agro e o hidronegócio, a carcinicultura (produção de camarão) e o uso industrial¿, afirma o bispo de Barra. Ele cobra a retomada do diálogo com o governo, mas avisa que não fará mais protesto individual. ¿Meu jejum conseguiu sensibilizar a sociedade, que agora deve levar a luta adiante.¿
Na Declaração de Serrinha, publicada em 8 de março pelo Nordeste 3, os bispos da Bahia e de Sergipe voltam à carga. ¿Vimos a público para confirmar nosso posicionamento contrário ao atual projeto do governo brasileiro de transposição de águas do Rio São Francisco, que não prioriza a dessedentação humana e animal no Nordeste¿, afirma o texto, que mais adiante insiste: ¿Para que o governo reabra o diálogo com a sociedade civil em vistas da definição de projetos de desenvolvimento sustentável que garantam água e qualidade de vida para todo o Nordeste brasileiro¿.
GEDDEL
Depois de ter enfrentado o então ministro Ciro Gomes, no primeiro mandato de Lula, o bispo de Barra queixa-se agora de seu sucessor, Geddel Vieira Lima. ¿O novo ministro, que era contra a transposição como deputado, agora mudou de posição¿, disse d. Luiz. ¿No projeto de transposição, água não é para matar sede de homem e de animal, pois se visa o aspecto econômico¿, acrescenta. Esse argumento sensibiliza o episcopado, mesmo quando não aceita uma posição radical contra a transposição.
¿Não considero que o gesto de d. Luiz seja o mais correto, não sei se (a greve de fome) é o melhor caminho, mas duvido que outra pessoa conheça melhor o problema do que ele¿, disse o bispo de Floresta (PE), d. Adriano Ciocca Vasino, que apóia a captação de águas em alguns cursos do rio. ¿Se é para resolver o problema da sede, tem que ser discutido com objetividade, pois tem havido debate baseado em emoções.¿
D. Irineu Roque Scherer, bispo de Garanhuns (PE), município ao qual pertencia Caetés, terra natal do presidente Lula, reforça o apoio à transposição, mas também se preocupa com a falta de debate sobre a questão. ¿Onde fica a revitalização e como serão controladas as empresas encarregadas das obras?¿, pergunta o bispo.
Os problemas são tão complexos, acrescenta d. Irineu, que até agora o episcopado não conseguiu chegar a um consenso, ¿apesar de a CNBB ter promovido seminários com técnicos da área para explicar as vantagens e as implicações da transposição¿. D. Adriano e d. Irineu são do Regional Nordeste 2, cujas dioceses se localizam acima do rio.
¿Temos uma posição nítida, fechada por 20 bispos desse Regional, com apenas uma ou duas exceções¿, disse o arcebispo da Paraíba, d. Aldo Pagotto. ¿Somos todos pela revitalização, mas queremos a integração das bacias¿, acrescentou. Soluções técnicas viáveis possibilitam, em sua opinião, a irrigação por gotejamento para a produção de frutas, cooperativas e reforma agrária.
¿Há uma ignorância geral, muita polêmica sem conhecimento de causa¿, afirma o arcebispo. A transposição significaria retirar 26 metros cúbicos de água por segundo, de um total de 1.700 a 1.800 metros cúbicos por segundo. ¿Queremos apenas um fiozinho de água, num projeto de canalização que poderia ser iniciado no eixo Leste-Oeste, não para acumular reservas nos açudes, mas para matar a sede do Nordeste e para irrigação.¿ D. Aldo disse que não vai discutir mais a questão. ¿É desagradável me opor a d. Luiz Cappio¿, justificou.