Título: Tarde demais
Autor: Ming, Celso
Fonte: O Estado de São Paulo, 09/05/2007, Economia, p. B2

A Petrobrás e o governo Lula estão colhendo agora os resultados de sua política frouxa e entreguista diante da escalada do avanço sobre o patrimônio público brasileiro na Bolívia.

Só agora o ministro de Minas e Energia e o Itamaraty se dispuseram a reagir com certa firmeza e, ainda assim, mais verbalmente do que com ações, ao que o presidente da Petrobrás, José Sérgio Gabrielli, está chamando, corretamente, de expropriação de fluxo de caixa da Petrobrás.

O último lance do governo do presidente Evo Morales foi transferir para a YPFB, a companhia estatal boliviana, as exportações de petróleo reconstituído e de gasolinas brancas produzidas nas refinarias da Petrobrás na Bolívia, pagando pelo produto cerca de metade do valor de mercado.

Como resposta, a Petrobrás anunciou o fim das atividades nessas refinarias e deu um prazo de dois dias (que vence hoje) para que o governo boliviano responda à oferta de venda das refinarias que se supõe seja de US$ 160 milhões. Há informações de que o governo boliviano não quer pagar mais do que US$ 60 milhões.

Na ausência de acordo imediato, a Petrobrás recorrerá aos tribunais, tal como previsto no Tratado de Proteção de Investimentos que a Bolívia mantém com a Holanda, país onde está registrada a subsidiária que administra o patrimônio da Petrobrás na Bolívia. O resto da reação brasileira limitou-se a notas inócuas que apenas condenam o comportamento do governo boliviano.

Nada do que já aconteceu e do que ainda vai acontecer está fora do script. Tudo faz parte da política anunciada pelo governo boliviano a 1º de maio do ano passado, que prevê o controle de todo o setor do petróleo naquele país. Mas até agora o governo Lula dispensou tratamento paternalista e excessivamente leniente aos ataques do governo Evo Morales ao patrimônio do Tesouro brasileiro em território boliviano. Agiu como se o governo esquerdista de La Paz tivesse direito especial de atropelar interesses brasileiros como bem entenda.

A resposta da Petrobrás não passa de esperneio diante da lógica encampadora. Apesar das insinuações de acordo feitas ontem pelas autoridades bolivianas, um abismo separa as partes. Nada exemplifica melhor as distâncias do que a observação feita segunda-feira pelo ex-ministro de Hidrocarbonetos da Bolívia Carlos Miranda: a Petrobrás, disse ele, quer ser indenizada pelo valor de mercado de suas refinarias; a Bolívia entende que não está mais numa economia de mercado e, por isso, prevalecerá o preço estipulado por decreto.

A retórica a que agora recorrem as autoridades brasileiras e o recurso aos tribunais não passam de satisfação do governo Lula e da Petrobrás ao público interno e a seus acionistas.

Mesmo que a sentença final dos tribunais dê ganho de causa à Petrobrás, parece pouco provável que o governo boliviano a acate. Dirá que os tratados que a sustentam foram firmados em circunstâncias que não valem mais nos dias de hoje. E que a Petrobrás reclame ao bispo de La Paz o que entenda seja do seu direito.

O interesse brasileiro merece melhor tratamento do que esse lero-lero diplomático.