Título: Duas boas notícias, um alerta
Autor: Carneiro, Dionísio Dias
Fonte: O Estado de São Paulo, 25/05/2007, Economia, p. B2

O otimismo domina os mercados de capitais. Aqui, as entradas de recursos externos antecipam a melhoria oficial da avaliação de risco para grau de investimento e punem o pessimismo. No mundo, comemora-se a suavidade com que se tem adaptado a economia americana ao desarme da bomba dos preços de imóveis e à depreciação do dólar. A tolerância com o risco está em alta. Os preços de ações refletem o quadro: o S&P 500 superou o nível da bolha da internet; a Bolsa de Xangai vive 22 meses de alta e, agora, já afeta o humor dos mercados; ganhos da Bolsa alemã, que já subiu 16% neste ano, pouco menos que o Ibovespa, mostram que o fenômeno é global. Depois dos sustos da virada do século, o crescimento da importância da China e a segurança transmitida pelas altas reservas dos devedores tradicionais reforçam o prestígio dos bancos centrais em busca da previsibilidade. Depois que mostraram que podem ser tolerantes sem perder a reputação, abriu-se espaço para que os frutos do aumento da produtividade se espalhem pelo mundo como não acontecia desde antes da 1ª Guerra Mundial. Não faltam, pois, fundamentos econômicos para o otimismo. Quando os 'nunca dantes na história' viram refrão, entretanto, é natural que se reflita sobre as surpresas da realidade que costumam resultar do excesso de euforia, que alimenta preços em alta e tolerância dos governos. A boa notícia é que os bancos centrais, da China ao Brasil, dos EUA à Europa, estão fazendo o possível para moderar a aceleração econômica que está em curso. Não dão mostras de ignorar os avisos de tempestade. Esta vigilância dá mais tranqüilidade e contribui para o quadro otimista. A má notícia é que, apesar dos cuidados, a economia mundial parece estar sem freio. Como isso é possível? A resposta é outra boa notícia: porque a liquidez mundial é conseqüência de um aumento notável da eficiência da intermediação financeira em todo o mundo. E isso é bom. Significa que as poupanças são convertidas em investimentos produtivos a baixo custo por meio de uma variedade de instrumentos que é capaz de satisfazer às necessidades e propensões dos poupadores, com melhor distribuição dos riscos. Os instrumentos dessa eficiência são instituições que transformam ativos emitidos por bancos e distribuídos a poupadores no mundo inteiro e que são empacotados de modo a permitir a segregação dos riscos e sua melhor avaliação. Em conseqüência, os juros refletem a demanda e a oferta de ativos em mercados altamente competitivos e ágeis. O baixo custo do financiamento viabiliza projetos e alimenta expectativas mais promissoras de lucros, que estimulam preços mais altos para as ações. Em paralelo, há uma proliferação de substitutos aos depósitos bancários, títulos públicos e às ações de empresas, os tradicionais instrumentos de aplicação da poupança, e uma miríade de firmas geradoras, gestoras ou simplesmente distribuidoras de produtos que têm um papel crescente nos sistemas financeiros modernos. Os governos do G-8 expressarão novamente sua preocupação com a falta de regulação dos fundos de hedge, cuja importância contribui para que a liquidez escorra pelos dedos dos bancos centrais, mas esses são apenas parte do quadro. Apesar de hoje ser mais difícil a dominância de elementos irracionais do que quando Greenspan popularizou a expressão 'exuberância irracional', cunhada por Robert Schiller, os mercados estão nervosos, pois a inflação mundial, que mantém ocupados banqueiros centrais e reguladores, vai gerar desordem. Dado o alto risco envolvido em apostas que dependem do melhor dos mundos, analistas experientes mantêm um pé atrás. Os gestores vêem bons dados, mas sabem o que movimentos bruscos podem fazer com os cenários otimistas. Esse é um clima que estimula realizações de ganhos. No mundo, há um precário equilíbrio entre as forças de afirmação nacional, que geram protecionismo e descontinuidades, e as necessidades de aprimoramento regulatório. As reuniões bilaterais entre China e EUA nesta semana deixaram uma pilha de conflitos não resolvidos, que podem precipitar o desabamento da confiança dos mercados como um castelo de cartas. Mas é em países de institucionalização precária, como o Brasil, que o otimismo, que aponta para mais do mesmo, passa ao largo da deterioração da governança que está em curso. O perigo é a irracionalidade, não dos mercados, mas do processo insensato de destruição institucional.