Título: Greve não é férias
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Fonte: O Estado de São Paulo, 17/05/2007, Notas e Informações, p. A3

A melhor resposta que o presidente Lula deu na entrevista coletiva de terça-feira diz respeito, precisamente, ao campo em que sagrou sua especialidade profissional e deu partida à sua trajetória de homem público, ou seja, o das relações entre capital e trabalho, nas quais a classe laboral tem na greve o principal instrumento de pressão para o atendimento de suas reivindicações. Justamente por ter liderado, como dirigente sindical do setor metalúrgico, algumas das greves mais importantes já realizadas no País, nos tempos difíceis que precederam a redemocratização, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva assumiu, com a autoridade que todos lhe reconhecem, a responsabilidade de delimitar com nitidez o ponto e a circunstância em que o direito de greve de uma categoria profissional se transforma em abuso contra a coletividade. E a fala presidencial, no caso, esteve em perfeita consonância com o conteúdo do anteprojeto de lei de regulamentação do direito de greve dos servidores públicos, previsto na Constituição Federal, que o advogado-geral da União acabara de enviar à Casa Civil.

Não é de hoje nem deste governo que abusos têm sido cometidos em nome do soi-disant sagrado direito de greve, especialmente quando atinge setores essenciais, vitais para a população. Tais abusos são particularmente graves quando as greves atingem as camadas mais carentes da população, sem recursos para custear serviços que preencham as lacunas do poder público, nos setores de educação, saúde, segurança, etc. Nesse ponto o presidente foi claro e exemplarmente didático ao dizer que a greve numa fábrica causa prejuízo ao patrão, mas a promovida num pronto-socorro ¿não tem patrão a prejudicar¿, mas sim o povo, principalmente os mais pobres. Poderia até dizer - mas ficou implícito - que as greves dos servidores públicos quando muito arranham o governo, mas ferem fundo o povo, o único prejudicado com as paralisações dos setores essenciais.

Fundamental foi a ponderação que fez o presidente sobre a responsabilidade a ser assumida pelos grevistas, em termos de custos e riscos. ¿Não é possível fazer 90 dias de greve e receber os dias parados, porque, aí, deixa de ser greve e passa a ser férias¿, disse. E aproveitou para dar seu depoimento sobre os tempos em que liderava greves, sabendo que perderia dias de trabalho, domingos remunerados e sofreria outras conseqüências que são próprias de embates nos quais são usados esses mecanismos de pressão. O recurso à greve, no setor privado, sempre implica riscos e tem custo. No setor público o grevista não corre qualquer risco.

É por isso que a inexistência de legislação pertinente às greves no serviço público tem resultado em situações de descontrole institucional. Como observou o advogado-geral da União, José Antonio Dias Toffoli, em entrevista a este jornal, domingo, ¿hoje não há um regramento sobre o direito de greve (dos servidores públicos). O STF diz que a greve sem lei é ilegal. Só que, na prática, isso não impede que haja movimento grevista. O fato é que, não havendo a lei, caberia ao poder público única e exclusivamente descontar os dias parados como se fosse falta ao trabalho¿.

Demonstrando que o anteprojeto - que ainda será discutido pelas entidades sindicais, ante de seguir para o Congresso - obedece à mesma linha de raciocínio desenvolvida pelo presidente Lula na sua segunda entrevista coletiva desde que chegou ao governo, o chefe da AGU afiançou que todo serviço público é essencial. ¿Senão, não seria serviço público. Na hipótese de a greve ser deflagrada, deve ser estabelecido um mínimo de continuidade dos serviços públicos. O Estado não pode ser impedido de prestar os serviços públicos, por conta da atividade de greve.¿ E Toffoli vai além, ao lançar controvertida proposta - visto que onerosa ao cofres públicos: ¿Estamos propondo que haja a possibilidade de contratação temporária de pessoal para a manutenção dos serviços, além daquele mínimo estabelecido para continuidade da atividade.¿

A fala presidencial, pavimentando o caminho do oportuno anteprojeto de regulamentação de greve de servidores públicos, nos dá esperanças de que, finalmente, será posto freio em um abuso que sempre resulta em prejuízo e sofrimento para a população.