Título: De cada cinco presos por corrupção, pelo menos um é servidor público
Autor: Macedo, Fausto
Fonte: O Estado de São Paulo, 20/05/2007, Nacional, p. A4

De cada 5 presos que a Polícia Federal enquadra por corrupção, peculato e fraude contra o Tesouro pelo menos um é servidor público. Mapeamento oficial revela que desde 2003 até a Operação Navalha a PF colocou atrás das grades 1.001 funcionários dos três níveis da administração.

A devassa, que no início cercou patentes menos graduadas do funcionalismo, chegou ao topo das instituições com a prisão até de magistrados. Ministros, deputados, senadores e chefes do Executivo são alvos da investigação em série. Estão incluídos na lista 73 agentes, escrivães e delegados federais. A direção da PF diz não hesitar quando tem que 'cortar a própria carne'.

Foram 335 operações, que varreram o País em busca de documentos contra autoridades supostamente ligadas a organizações criminosas. Os federais já apanharam 5.682 pessoas. São efetivos ou comissionados os servidores a quem a PF imputa a prática de atos ilícitos. Muitos ocupam cargos estratégicos da administração, que alcançaram por indicação política.

Juristas, policiais, ministros dos tribunais superiores e advogados argumentam que o crime organizado se infiltrou na máquina pública de forma legal, por concurso ou pelo critério do apadrinhamento político.

Servidores corrompidos detêm informações privilegiadas e, não raramente, a chave do cofre. Como ordenadores de despesas, sustenta a PF, manipulam processos de concorrência e liberam pagamentos superfaturados.

'Há no serviço público, como em qualquer outro setor, pessoas não vocacionadas, porque quem abraça o cargo deve saber que a administração não é para enriquecer ninguém', diz o ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo Tribunal Federal (STF). 'Não podemos presumir que tudo tenha ocorrido somente agora. Não podemos ser ingênuos de admitir que no passado não houve falcatruas. A diferença é que agora está em ação o setor de inteligência da Polícia Federal, tudo vem à tona.'

O ministro fez um alerta. 'Precisamos caminhar com segurança jurídica, sem a busca do justiçamento. Vamos aguardar sem atropelo e sem açodamento a comprovação dos fatos pelo Ministério Público. O Brasil precisa é de homens que observem as leis existentes, que saibam que se houver transgressão ocorrerá punição.'

'A oportunidade faz o bandido', assinala Lucas Rocha Furtado, procurador-geral do Tribunal de Contas da União (TCU). 'Sempre houve oportunidades. A Lei de Licitações, por exemplo, favorece e incentiva conluios porque é procedimento muito demorado, cheio de etapas e que dá muito poder ao servidor. É difícil supor que na grande maioria das contratações públicas não haja conluio para as empresas dividirem o mercado.'

REGRAS

O criminalista Luiz Flávio Gomes diz que 'corrupção no funcionalismo sempre houve'. Para ele, que é juiz aposentado, a impunidade e a sensação de que nunca vai acontecer nada estimula o peculato. 'Há uma quebra das regras morais, no fundo o servidor sempre se julgou impune. Principalmente o servidor de cargo comissionado. Ele sabe que a passagem dele pelo cargo é transitória.'

Gomes condena o processo eleitoral e político. 'Leva à corrupção na medida em que só dá ajuda financeira aquele que busca benefício. O processo é viciado. A ocupação de cargos públicos, esse partilhamento partidário de cargos é vergonhoso. A prisão de desembargadores é fato bom porque vai limpando, depurando o serviço público.'

Mário Bonsaglia, procurador regional eleitoral em São Paulo, prega a restrição das hipóteses do foro privilegiado como importante instrumento de combate à corrupção no serviço público. 'Algumas barreiras jurídicas existem com relação ao ingresso no funcionalismo, mas se pessoas envolvidas com organizações criminosas não têm antecedentes criminais não há como impedi-las de entrar por concurso ou ocupar cargo em comissão.'

Amaury Portugal, presidente do Sindicato dos Delegados da PF em São Paulo, disse que 'o pior está por vir'. Segundo sua avaliação, o próximo passo da devassa será na área da segurança pública. 'Não estou me referindo à PF, que já age com extremo rigor internamente.' Para ele, grandes esquemas de corrupção são tramados fora das repartições públicas. 'Golpistas armam tudo e depois partem para a cooptação do funcionário público mal remunerado. Aí não pára mais.'