Título: Tribunais anulam 42% das arbitragens que examinam
Autor: Sant'Anna, Lourival
Fonte: O Estado de São Paulo, 20/05/2007, Nacional, p. A10

Ela foi celebrada como uma alternativa à lentidão da Justiça no Brasil. Dez anos depois da lei que deu mais força à arbitragem no País, e cinco anos depois que o Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceu seu caráter de decisão definitiva, um levantamento mostra que destino ela tem tido no Judiciário. E o resultado não é exatamente animador.

Das 408 arbitragens contestadas nos tribunais de segunda instância e nas cortes superiores, 171 (42%) foram anuladas pela Justiça. É o que mostra a primeira pesquisa do gênero, feita em todo o País pelo escritório de advocacia Rodrigues do Amaral, e obtida pelo Estado com exclusividade. 'É um número muito alto', avalia Antonio Carlos Rodrigues do Amaral, especialista em direito empresarial, que conduziu a pesquisa. 'Mas é compatível com a inexperiência brasileira com arbitragem.'

Não se sabe quantas arbitragens se realizam por ano no Brasil, mas certamente são milhares. De acordo com a lei, que entrou em vigor em novembro de 1996, e com a decisão do Supremo, de dezembro de 2001, as arbitragens são, do ponto de vista do mérito, como sentenças transitadas em julgado. A Justiça só julga eventuais vícios no processo da arbitragem, que podem levar à sua anulação. Por exemplo, se não for observado o direito de defesa, o tratamento igual das partes, a imparcialidade e a qualificação do árbitro, conforme definidos pela lei.

Assim, de acordo com a pesquisa, em 42% dos casos em que uma das partes recorreu e se chegou à segunda instância ou aos tribunais superiores, a Justiça considerou que houve esses erros formais. A pesquisa foi feita nas bases de dados de 25 dos 27 Tribunais de Justiça dos Estados, que representam 75% dos casos, nos Tribunais Regionais Federais (13%), no Tribunal Superior do Trabalho (6%), no Superior Tribunal de Justiça (4%) e no Supremo Tribunal Federal (2%). Piauí e Rio Grande do Norte ficaram de fora porque seus processos não estão disponíveis na internet.

O levantamento excluiu as ações trabalhistas, com exceção das que chegaram ao Tribunal Superior do Trabalho. Isso porque, de acordo com Rodrigues do Amaral, os tribunais têm sido 'uníssonos' em anular sentenças trabalhistas das câmaras arbitrais, já que os direitos trabalhistas são considerados 'indisponíveis': não estão sujeitos a negociação. 'Tiramos da base de dados, para não viciar a amostra', explicou o especialista.

VANTAGENS

Em geral, as arbitragens ocorrem para resolver disputas comerciais e já estão previstas nos contratos. A menos que exijam muitas perícias, as sentenças costumam demorar de três a seis meses; em contraste, na Justiça comum, podem arrastar-se por três a dez anos, se forem galgando as instâncias. Em princípio, o processo sai mais barato. As partes pagam aos árbitros de 2% a 6% do valor da causa, além de uma taxa inicial (que pode ser de R$ 50, por exemplo). E, ao contrário da Justiça comum, as ações correm em sigilo.

Entretanto, para Rodrigues do Amaral, a grande vantagem da arbitragem reside no conhecimento de causa dos árbitros, que normalmente são especialistas no assunto, em comparação com os juízes, que em geral contam com uma sólida formação, porém limitada ao campo jurídico. Freqüentemente, formam-se equipes de três árbitros, embora esse número varie, de acordo com o que determinarem as partes.

Segundo Rodrigues do Amaral, que defende empresas brasileiras em câmaras arbitrais tradicionais, como a do Algodão em Liverpool e a do Comércio em Paris, o que esse levantamento mostra é algo que ele já havia constatado na prática: muito depende do preparo dos árbitros. O alto índice de anulação das sentenças arbitrais pela Justiça, observa ele, reflete a má qualidade na condução das arbitragens.

RECOMENDAÇÕES

Além da presença de peritos no assunto em pauta, Rodrigues do Amaral recomenda também a participação de um advogado, para evitar que vícios formais resultem na anulação. 'Arbitragem é muito séria, muito técnica, e tem que ser cuidada por quem entende de legislação', diz o advogado. Ele recomenda, também, estudar detalhadamente a Lei de Arbitragem, em especial sobre os direitos indisponíveis; dar atenção à redação da cláusula compromissória (que permitirá a arbitragem futura); elaborar o compromisso arbitral (que diz como será arbitrada a disputa concreta) segundo os critérios específicos da própria lei, delimitando bem a matéria que será submetida à arbitragem; escolher câmaras arbitrais, árbitros e advogados com experiência e reputação no assunto; não esquecer o contraditório, a ampla defesa e o devido processo legal.

Ele pondera, no entanto, que as anulações decididas pela Justiça fazem parte do amadurecimento da arbitragem no Brasil, como aconteceu, no passado, nos países com mais experiência. 'O escrutínio judicial é bom porque dá parâmetros, para que não se atropelem direitos', diz Rodrigues do Amaral, que é professor de direito constitucional no Mackenzie. 'A decisão da arbitragem é muito importante. Um árbitro pode tirar o patrimônio inteiro de uma família, que depois não poderá recorrer do mérito da decisão.'

Para Rodrigues do Amaral, a arbitragem é altamente proveitosa nas disputas internacionais. As partes evitam, assim, se sujeitarem às idiossincrasias do regime jurídico de um determinado país. Por esse critério, nota-se como o Brasil está engatinhando. Dos 408 casos levados à segunda instância ou aos tribunais superiores, apenas 15 são disputas internacionais. E, dessas, um terço foi anulado pela Justiça. 'Isso mostra como é incipiente a experiência brasileira com homologação estrangeira', constata o especialista.