Título: 'Empresários socialistas' instituem confederação
Autor: Costas, Ruth
Fonte: O Estado de São Paulo, 20/05/2007, Internacional, p. A16

O presidente venezuelano, Hugo Chávez, vê nos EUA seu pior inimigo, mas os americanos continuam a ser o maior parceiro comercial da Venezuela. Ele quer valorizar as populações indígenas da América Latina, porém, escolheu como referência histórica Simón Bolívar, descendente de colonizadores e integrante da aristocracia caraquenha. Diz-se um revolucionário radical, mas em vez de expulsar os ¿capitalistas¿ do país, comprou suas ações em bolsas de valores, num processo de nacionalização dos setores de energia e telefonia que consumiu mais de US$ 2 bilhões do orçamento público.

A essa lista de aparentes contradições ideológicas pode-se acrescentar mais uma: a criação, no começo do mês, da Confederação dos Empresários Socialistas da Venezuela (Conseven), organização que diz reunir 400 mil pequenos e grandes empresários e é a grande arma do governo no meio empresarial.

¿Se fossem socialistas de fato, a primeira coisa que deveriam fazer seria entregar a propriedade das suas empresas para o Estado venezuelano e a administração para grupos de trabalhadores¿, disse ao Estado o analista político Victor Maldonado, diretor da Câmara de Comércio, Indústria e Serviços de Caracas. ¿Trata-se de um grupo de oportunistas interessado em ficar próximo ao governo para ter preferência nas concessões e negócios do Estado e recebe apoio porque a nova aposta de Chávez é fomentar organizações para que se contraponham ao poder dos grupos tradicionais de empresários, resistentes à concentração de poderes por parte do presidente.¿

Diretor da Conseven e um dos seus fundadores, o empresário Alejandro Uzcátegui nega as acusações, mas não esconde a estreita relação com o governo. ¿Há confiança. Eu ligo para os ministros quando preciso e nos reunimos no dia seguinte¿, disse Uzcátegui ao Estado. Ele garante que hoje os empresários socialistas formam ¿um exército¿ espalhado por todo o país, pronto para reagir a eventuais ofensivas da oposição, como a greve geral com a qual se tentou desestabilizar o governo Chávez em 2002. ¿Todos temos nosso uniforme verde-oliva no armário e pegaríamos em armas para defender a revolução e o presidente¿, diz.

RECÉM-CONVERTIDOS

A Conseven foi formada a partir de todas as organizações que se proclamavam ¿bolivarianas¿ antes de Chávez abandonar sua doutrina original e anunciar sua intenção de instalar na Venezuela o que chama de ¿socialismo do século 21¿, além de empresários recém-convertidos.

Ela reúne desde industriais até produtores agrícolas, passando por comerciantes e empresários como Marcos Zarikian, dono do grupo empresarial Eurobuilding e um requintado hotel de mesmo nome em Caracas. Seu ¿sonho¿ é ir até a favela do Petare (uma das maiores de Caracas) e ¿comer com seus moradores num restaurante de luxo¿. Além disso, a Conseve pode ser muito entusiasta do ainda incipiente socialismo chavista, mas não rasga dinheiro. Tanto que a cerimônia de fundação da organização ocorreu no Hotel Hilton, um cinco-estrelas e, segundo os críticos, um tanto quanto suntuoso para os padrões de austeridade implícitos no socialismo clássico. ¿Se fossem socialistas de verdade deveriam fundar a `coisa¿ nos portões das fábricas¿, atacou o colunista e economista Clodovaldo Hernández no jornal venezuelano El Universal.

A proposta da organização, admite Uzcatégui, ainda não está totalmente delineada porque dependerá do conceito de ¿empresa de produção social¿, figura jurídica que, segundo o presidente, deve ser regulamentada com o uso da Lei Habilitante - instrumento com o qual Chávez pode governar por decreto por 18 meses, principalmente (mas não só) em temas econômicos.

Por enquanto, ser um empresário socialista, na definição da Conseven, consiste teoricamente em apoiar projetos sociais, cumprir com todos os compromissos legais em relação a seus trabalhadores, ser ¿generoso¿ na concessão de benefícios sociais e dar algum poder (não estipulado) para os empregados tomarem decisões na empresa. Para a oposição, basicamente é ser chavista e ajudar o governo a bater de frente com organizações como a poderosa Fedecâmaras, reduto do antichavismo, em troca de contratos de licitações. Se for preciso acrescentar no nome da sua empresa o adjetivo socialista para assinar um contrato de milhões de dólares de prestação de serviços com a estatal petrolífera PDVSA, dizem tais críticos, há milhares de capitalistas dispostos a ler Marx.