Título: Argentinos se identificam com líder espontâneo e desengonçado
Autor: Palacios, Ariel
Fonte: O Estado de São Paulo, 20/05/2007, Internacional, p. A18

Desengonçado, estrábico, com a língua presa. Assim é Néstor Kirchner, que no dia da posse brincou com o bastão presidencial ao vivo pela TV, surpreendendo os argentinos, acostumados a ver presidentes sisudos. Uma hora depois, ao saudar a multidão, bateu a cabeça na teleobjetiva da câmara de um fotógrafo e fez um corte na testa. Tomou posse com um curativo. Ele até usa a seu favor o apelido de Pingüim, decorrente de suas origens patagônicas. Com esta forma desajeitada de ser, Kirchner cativa vastos setores da população.

A socióloga e analista de opinião Graciela Rõmer afirmou ao Estado que Kirchner é o presidente que 'mais se parece ao cidadão comum'. Segundo ela, a classe média se identifica com Kirchner e não espera dele pose de estadista. 'Não o encaram como um líder de visão de futuro, é o líder que recuperou o país da crise.' Ela disse que o comportamento emocional desse patagônico (acessos de fúria em público) agrada à população. 'Ele se zanga como uma pessoa normal faria. Os argentinos o vêem como estourado, mas honesto, sem ostentação, espontâneo. Seus ternos estão sempre amarrotados e os mocassins, sem lustrar. Poderia ser seu vizinho.'

Segundo o colunista Silvio Santamarina, editor de política do jornal Perfil, Kirchner 'encarna o pior lado da classe média argentina, que culpa os outros pelos erros que comete'. Essa classe e os 'novos pobres' (ex-classe média que empobreceram com a crise de 2001) simpatizam com ele. 'Kirchner sempre põe a culpa pelos problemas argentinos nos estrangeiros', reforçou o historiador José Ignacio García Hamilton. 'Esse exercício permanente do mito da vítima e a atitude briguenta agradam a boa parte da opinião pública, que partilha essas características. Na Argentina, o melhor amigo do homem não é o cão, é o bode. O bode expiatório.'