Título: 'Está melhor do que no governo JK'
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 20/05/2007, Economia, p. B9

O Brasil já chegou ao ciclo virtuoso de crescimento, avaliou o ministro da Fazenda, Guido Mantega, em entrevista ao Estado. Ele acredita que o País vive uma combinação inédita de indicadores positivos, como não se viu nem em momentos de grande otimismo, como o Plano de Metas do governo Juscelino Kubitschek ou o período do milagre econômico, entre as décadas de 1960 e 1970. O fenômeno, acredita o ministro, não passou despercebido aos empresários brasileiros, que entraram em nova fase de investimentos.

Nem mesmo a queda do dólar, que ligou sinais de alarme na indústria e entre os economistas, é vista como ameaça. Eufórico, o ministro acha que as empresas brasileiras vão enfrentar o desafio de competir e vencer nesse novo ambiente, no que ele classificou como uma nova etapa da globalização. Para ajudá-las, o governo prepara medidas de desoneração tributária, redução de custos financeiros e melhora da infra-estrutura. Mas ele avisa: 'Tem de ficar esperto.' A seguir, os principais trechos da entrevista.

Como está o humor do governo diante de tantas notícias boas e, no meio delas, o câmbio a menos de R$ 2,00?

A economia caminha para outro patamar. Há crescimento com geração de empregos, aumento da renda, melhoria das condições de vida da população, aumento de investimento. O ciclo virtuoso está implantado no País. O que muda em relação a outros momentos de bonança é que não temos apenas uma parte de indicadores econômicos e sociais que melhoraram, mas uma combinação inédita. Isso nos garante a continuidade do processo. Se pegarmos qualquer outro momento da economia - plano de metas, milagre -, havia isoladamente indicadores melhores do que hoje. No plano de metas, a economia crescia a 7%. No milagre, a média era de 10,5% a 11%. Mas, ao lado dos indicadores positivos, havia outros negativos.

Por exemplo?

Durante o Plano de Metas, havia inflação, déficit público, endividamento externo. No tempo do milagre, também havia a dívida externa e uma inflação potencial muito elevada. E não havia como compensar com importações, não havia estrutura. Hoje, a máquina está toda azeitada e se complementa. É mais virtuosa do que em outros períodos. Não se acumulam desequilíbrios. Há expansão do investimento, o que quer dizer que a oferta caminha na frente da demanda. Esse fenômeno, francamente, nunca vi: aceleramos o crescimento, aumentamos a demanda e os preços caem. A dívida externa está caindo, a interna caindo em termos relativos. Temos reservas externas abundantes, e o Brasil se aproxima do grau de investimento. Há otimismo e confiança na sociedade e no empresariado. As pessoas estão confiantes, pois conseguem emprego, suas rendas aumentam, elas compram - e isso mantém a roda da economia girando. É uma combinação de fatores favorável e positiva.

Não assusta?

Que filosofia é essa? Porque está bom quer dizer que vai acontecer alguma coisa? Só se eu fosse um niilista, mas não sou um niilista, não acho que as coisas sejam assim. Acho que está bom e tende a melhorar.

O câmbio caiu a menos de R$ 2,00. Isso não é um problema?

É problema geral de vários países que gozam de situação de solidez e confiança parecida com a do Brasil. Isso nos coloca diante de desafios importantes, que são: aumentar a produtividade das empresas brasileiras, reduzir custos para compensar a perda de competitividade, reduzir o custo financeiro, o tributário, melhorar a infra-estrutura. É preciso aumentar investimento na modernização da empresa. Vivemos hoje uma nova globalização, onde o Brasil se insere de forma positiva. No passado, éramos prejudicados pela globalização. Agora, vamos ganhar com ela. Os produtos têm de ficar mais baratos em real, assim eles ficam mais baratos também em dólar.

E a desoneração da folha, de que o senhor tanto tem falado? Terá mesmo impacto de redução de custos das empresas?

A desoneração da folha é parte do arsenal. Vai ajudar as que sofrem mais diretamente o impacto do real valorizado. Mas ainda não temos proposta conclusiva. Não tem só uma alternativa. O objetivo é reduzir o custo da folha. Como alcançar isso - se reduzindo alíquota do INSS, dando crédito tributário para quem tem folha maior, se será para toda a economia ou se vamos direcionar a alguns setores - tudo isso ainda não tem decisão final. Quero tomar a medida quando estiver amadurecida.

Esse dólar a menos de R$ 2,00 é uma situação transitória ou é algo que veio para ficar?

Se temos câmbio flutuante, significa que pode flutuar para cima e para baixo. Uma certa valorização era esperada, mas o dólar pode voltar para acima de R$ 2,00.

E a perspectiva de o Brasil receber logo o grau de investimento? É uma bênção ou uma maldição, já que vai trazer ainda mais dólares para cá?

É um benefício que causa problemas colaterais, mas é claro que é um benefício. Demonstra o reconhecimento dos avanços que tivemos no Brasil. Isso traz benefícios. Por exemplo, vai ter um interesse maior de investimentos produtivos. O efeito colateral é que vai ter pressão maior sobre o câmbio.

O senhor concorda com o ministro do Desenvolvimento, Miguel Jorge, que empresas vão morrer nesse processo de queda do dólar?

Na história do capitalismo, há setores que sobrevivem e outros que perecem no caminho. Faz parte das leis do capitalismo. Todo ano há empresas que fecham, mas há um número muito maior abrindo. O Schumpeter (Joseph Schumpeter, teórico do desenvolvimento econômico) falava em destruição criadora, ou seja, as empresas têm de se renovar, investir, porque são sempre atacadas pela concorrência. A diferença é que hoje a competição é mais aguerrida, o empresário tem de ser rápido. Dormiu no ponto, morreu. O Brasil não tem barreiras protecionistas, a economia está aberta, tem de ficar esperto.

Com a queda do dólar, economistas privados passaram a apostar num corte mais forte da taxa de juros. O que o senhor acha?

Ministro da Fazenda não faz apostas. Estou proibido pelo comitê de ética de fazer apostas. Não posso fazer previsão.

Haverá alguma medida para facilitar a importação de bens de capital? O presidente Luiz Inácio Lula da Silva disse que era preciso modernizar, importar mais máquinas.

Com esse câmbio, a importação do bem de capital está barateando. É como se estivesse dando estímulos. É um momento de mudança qualitativa no investimento. Ele deixa de ser para reposição de máquinas, racionalização, para um quadro de ampliação da capacidade produtiva. Qualitativamente, é uma nova fase de investimento.