Título: Protestos, ameaças e tiros marcam último dia no ar da RCTV
Autor: Costas, Ruth
Fonte: O Estado de São Paulo, 28/05/2007, Internacional, p. A12
Tensão e conflitos marcaram o último dia das transmissões da Rádio Caracas de Televisão (RCTV), a emissora de maior audiência da Venezuela e a única de oposição ao governo a alcançar todo o território nacional. Uma manifestação em apoio à TV na frente da Conatel, o órgão responsável pela administração do sistema de radiodifusão do país, em Caracas, foi dispersada pela polícia com bombas de gás lacrimogêneo, jatos d¿água e balas de borracha porque, segundo a versão oficial, tiros teriam sido disparados por manifestantes.
O conflito se espalhou para vários pontos da cidade, onde podiam ser ouvidos disparos. Até o final da noite, o saldo era de pelo menos 11 policiais e um manifestante feridos por escoriações. Mas, segundo fontes oficiais, haveria pessoas atingidas por armas de fogo. ¿Eles queriam que daqui saíssem mortos para jogar a culpa no governo¿, disse o diretor da Polícia Metropolitana, general Juan Francisco Romero. Já o procurador-geral da República, Isaías Rodríguez, disse que o episódio ¿foi parte de um plano violento preparado por setores que queriam derrubar o presidente¿.
Enquanto os conflitos ocorriam em Las Mercedes, um bairro de classe média, simpatizantes do governo se reuniam no centro da cidade para comemorar a substituição da RCTV por uma rede pública financiada pelo Estado - a Televisão Venezuelana Social (TVES). Foram montados seis palcos com música ao vivo e telões para o público assistir ao início das transmissões, prevista para 0h15 de hoje, e muita propaganda pedindo filiação ao governista Partido Socialista Unido da Venezuela (PSUV).
¿Já tomamos todas as medidas para evitar uma tentativa de sabotar a transmissão da TVES¿, disse o ministro das Comunicações, Willian Lara, que fez uma ameaça: os veículos que tratarem o caso da RCTV como ¿fechamento de um canal¿ e não como ¿fim de uma concessão¿ serão processados. Desde sexta-feira, quando o Tribunal Supremo de Justiça ordenou que a infra-estrutura da RCTV fosse colocada à disposição da Conatel para garantir a transmissão da TVES, as antenas da emissora estão cercadas pela Guarda Nacional.
A RCTV ficou no ar 53 anos, mas o governo venezuelano se negou a renovar sua concessão alegando que seus diretores são ¿golpistas¿ e a emissora não teria cumprido seus compromissos fiscais. O diretor-geral da RCTV, Marcel Granier, disse à tarde haver pressões do governo para que as redes de televisão a cabo não aceitem transmitir a programação da emissora.
PROTESTO DA SIP
A Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP), entidade que agrupa os meios de comunicação privados do continente, qualificou ontem a decisão de tirar a RCTV do ar como um ¿castigo¿ e se mostrou preocupada pelo que considerou um ¿atropelo¿ da liberdade de expressão na Venezuela. ¿É evidente que se está limitando o acesso à informação com o fechamento da RCTV. Só regimes autoritários tomam medidas como essa¿, disse Gonzalo Marroquín, presidente da Comissão de Liberdade de Imprensa e Informação da SIP. O Ministério das Comunicações remitiu nota considerando ¿muito grave que convidados emitam opiniões sobre a política interna do país¿.
A RCTV preparou ontem uma programação especial de 18 horas, chamada ¿Um Amigo é Para Sempre¿. Numa emocionada despedida, atores e apresentadores lembraram as cinco décadas de história da emissora. À tarde, a emissora transmitiu cenas de suas duas principais novelas - Camaleona e Mi Prima Ciela - cujos finais não serão exibidos, a menos que a televisão resolva transmitir por cabo.
Já o governo divulgou a grade com a programação da TVES. A nova emissora, que terá cinco dos sete membros de sua direção indicados pelo Executivo, passará filmes, programas de turismo, séries, aulas de ginástica, infantis e uma novela de época, Pai Coragem, produzida na Argentina. O ministro das Comunicações explicou que todos os programas serão comprados de produtores independentes para ¿garantir a autonomia dos conteúdos¿. Cerca de 7 das 24 horas de programação virão de outros países.