Título: 'Participação brasileira foi um fracasso'
Autor: Escobar, Herton
Fonte: O Estado de São Paulo, 28/05/2007, Vida&, p. A13

Já é tarde demais para o Brasil ter papel relevante na Estação Espacial Internacional (ISS). Pode ser usuário, mas só se tiver ¿bons projetos¿ para propor. É assim que John Logsdon, membro do Comitê de Conselho da Nasa, avalia as perspectivas do País de eventual envolvimento com os trabalhos da ISS. Não há razão para desistir de cooperação futura, porém. ¿O Brasil está com o olho roxo, mas não foi nocauteado.¿ Abaixo, trechos da entrevista concedida ao Estado.

O Brasil entrou para o projeto de construção da ISS há dez anos e nunca construiu uma única peça. Seria justo classificar a participação do País como um fracasso?

Acho que sim. O País mostrou entusiasmo, mas não cumpriu nenhum dos compromissos que assumiu. Depois deu meia volta e decidiu fazer o vôo do astronauta (Marcos Pontes) com a Rússia.

A avaliação do Brasil era de que Pontes não teria mais chances de voar com a Nasa por causa dos atrasos causados com a tragédia da Columbia.

O vôo de um astronauta brasileiro estava diretamente ligado ao cumprimento dos compromissos na ISS. Certamente, o não-cumprimento dessas obrigações e a redução dos vôos após o acidente com a Columbia tornaram pouco provável que (Pontes) conseguisse voar. Mas, ainda assim, foi uma certa surpresa para os Estados Unidos saber que o Brasil tinha recursos para pagar à Rússia por um vôo, mas não para financiar as contribuições que prometera para a ISS.

A opção pelo vôo pago com a Rússia foi bastante criticada no Brasil, inclusive dentro da comunidade científica. Alguns chegaram a comparar Pontes a um turista espacial. O senhor concorda com isso?

Sim. Ele esteve na estação apenas por alguns dias, fez apenas algumas coisas... (pausa) Pensando bem, talvez isso seja injusto. Até o lançamento da ISS, a maioria dos astronautas passava cerca de uma semana no espaço, então sua experiência não foi tão diferente do que ocorria nos anos 80 e 90. Mas, basicamente, ele esteve na estação como um visitante.

O que o Brasil pode fazer para recuperar seu prestígio na ISS?

Acho que já é tarde demais para fazer qualquer coisa, a não ser se tornar um usuário da estação por meio de experimentos. A ISS será um laboratório aberto a todos os usuários, e, se os cientistas brasileiros tiverem bons projetos para propor, o País poderá participar dessa maneira. Mas certamente é tarde demais para propor qualquer tipo de equipamento, mesmo peças modestas, como o palete expresso (que fazia parte do contrato original do Brasil).

Para um país como o Brasil, com recursos limitados e graves problemas sociais, quais devem ser as prioridades de um programa espacial?

O Programa Nacional de Atividades Espaciais (PNAE, programa brasileiro) é bastante claro em suas prioridades, que são observação da Terra, telecomunicações e capacidade de lançamento. Não há nenhuma menção a vôos tripulados ou de participação em projetos de exploração espacial. Acho que a ênfase nesses benefícios para a sociedade brasileira é inteiramente apropriada, e é nessa direção que a maior parte dos recursos deve ser alocada.

E quanto a outras missões espaciais, além da ISS?

A discussão sobre participar em explorações além da órbita da Terra deve ser secundária, mas não zero. Nesse momento, a Nasa está discutindo projetos de exploração com 12 outras agências espaciais (Alemanha, França, Inglaterra, Rússia, China, Canadá, Índia, Ucrânia, Austrália, Coréia, Itália e Japão), e os únicos dois países que não participam são Brasil e Israel. Me parece que seria do interesse do Brasil, ao menos, participar das discussões. Afinal de contas, se a previsão de o País se tornar uma potência industrial nas próximas décadas estiver correta, acho que o Brasil vai querer ter um programa espacial completo.

E o Brasil seria bem-vindo nessas discussões, mesmo depois do que aconteceu na ISS?

Acho que sim. O Brasil está com um olho roxo, mas não foi nocauteado. Os Estados Unidos reconhecem a importância estratégica do Brasil no hemisfério e não vão tomar atitudes que possam empurrar o País na direção da China, Rússia ou outros potenciais adversários futuros.

Quem é: John Logsdon

Em 2003, participou do comitê de investigação do acidente com o ônibus espacial Columbia

Na área acadêmica, é professor e historiador de políticas espaciais

Como membro do Comitê de Conselho da Nasa, atua ao lado de especialistas que apóiam a administração da agência espacial americana.