Título: 'Brasil é mais estável que Índia e China'
Autor: Cruz, Renato
Fonte: O Estado de São Paulo, 28/05/2007, Economia, p. B3

Robert J. Shiller, professor de Economia da Yale University, lançou o livro Exuberância Irracional (editado no Brasil pela Makron Books) em março de 2000, alertando para a bolha no mercado acionário americano. No mês seguinte, a bolha estourou.

Atualmente, Schiller identifica três ameaças ao bom momento que vive a economia mundial: o movimento especulativo em bolsas de países emergentes, o superaquecimento do mercado imobiliário em várias partes do mundo e a alta dos preços do petróleo.

¿Temos um mercado acionário exuberante e um mercado imobiliário exuberante, com a possibilidade de que os dois caiam juntos, o que levaria a uma recessão mundial¿, disse o professor em entrevista ao Estado, por telefone, na sexta-feira. Apesar de identificar um movimento especulativo na bolsa brasileira, ele vê mais estabilidade no País que na China e na Índia.

Hoje, Shiller dá palestra às 9 horas na Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), como parte dos eventos da Semana de Yale no Brasil. A seguir, os principais trechos da entrevista.

Existe uma bolha no mercado acionário americano?

É uma coisa interessante. Em termos de valorização, a bolsa americana está bastante alta, mas é difícil julgar hoje. Acho que o mercado não está tão exuberante quanto na década de 90, quando a relação preço-lucro era extremamente alta. Os últimos cinco anos registraram o maior crescimento de lucros da história do mercado acionário americano, mas os investidores não reagiram de forma extremada como fizeram no fim da década de 90.

Qual é a situação de outras bolsas, como a chinesa?

Na China, a relação preço-lucro é muito maior. A China passa por uma fase de especulação imensa. Além disso, o governo chinês, apesar de preocupado com a especulação, não permite a atuação de forças do mercado que podem reduzir a especulação. Por exemplo, você não pode vender ações a descoberto (antes de tê-las) na China. Em segundo lugar, não existe um mercado futuro de ações na China, apesar de eles estarem falando em criar um. Se alguém acha que o mercado acionário na China está alto demais, não existe como tomar alguma atitude quanto a isso. Não pode vender ações a descoberto e não pode assumir uma posição curta no mercado futuro. Além disso, os investidores chineses estão restritos ao seu próprio mercado. Eles não podem investir no exterior. Todo o entusiasmo é canalizado ao próprio país.

Que impacto isso pode ter em outras partes do mundo?

É uma situação instável e eu me preocupo com isso. Pode ter conseqüências além da China. No fim de fevereiro, o mercado chinês teve uma forte queda de um dia, e isso teve repercussões em todo o mundo. Eu acho que a China é um centro de entusiasmo econômico instável, que pode afetar o restante do mundo.

Em que outros países o sr. vê esse movimento especulativo?

Outro país extremamente especulativo é a Índia. Mas eu também acrescentaria o Brasil, onde o mercado tem sido também muito exuberante. Ainda vou olhar os números antes de minha palestra. Eu sou um investidor no Brasil, pessoalmente, e preciso verificar minha carteira. Tem havido muito interesse dos investidores no Brasil, por causa do mercado forte e da economia forte. Aqui, as pessoas falam dos Brics (Brasil, Rússia, Índia e China) e existe um interesse crescente dos investidores por esses países.

O que fez o sr. investir no Brasil?

Em parte, acho importante diversificar ao redor do mundo. Também tenho investimentos nos outros Brics e eles têm ido muito bem. Eu estava no Fórum Econômico Mundial, para onde vou todo ano, e eles falavam sobre o Brasil e todos os países do Bric. Eu ouvi as palestras e, não posso explicar, me senti muito otimista. Todos esses países têm sido investimentos maravilhosos para mim.

Com todos os riscos, o sr. está otimista?

Não sei se estou tão otimista agora quanto há um ou dois anos. Porque existem sinais de superaquecimento na Índia e na China, e pode haver uma correção. Não estou tão entusiasmado em relação a eles. Eu suponho que haja menos problema no Brasil. Tenho impressão de que existe mais estabilidade.

E quanto à Rússia?

Os investidores internacionais estão mais preocupados com a instabilidade política na Rússia que em qualquer outro grande país, com o que Putin (Vladimir Putin, presidente russo) irá fazer. Olhamos para a petroleira Yukos e perguntamos qual é o seu futuro. Estamos preocupados com a possibilidade de intervenção do governo nos negócios e com a possibilidade de declínio na liberdade democrática. Vai haver uma eleição e isso cria alguma incerteza.

Qual é a situação do mercado imobiliário nos Estados Unidos?

Os preços estão caindo em todas as grandes cidades. Isso começou em meados de 2006, e parece que está acelerando. É uma coisa que vejo com muita preocupação. Isso pode criar uma recessão nos EUA e se espalhar para outros países. Durante o boom imobiliário, nos EUA e creio que em outros países também, houve muitas pessoas que receberam empréstimos e talvez não deveriam ter recebido. Agora, com os preços caindo, começamos a ver muitos calotes, especialmente na categoria de alto risco.

Como o sr. compara a situação de hoje a bolhas anteriores?

Nos anos 80, houve um boom parecido no mercado imobiliário em vários países. Aquele boom não era tão grande quanto o atual, pois era restrito a poucas cidades. O boom da década de 80 terminou por volta de 1990, seguido de um período de cerca de cinco anos de queda suave nos preços. Agora, o boom é maior e pode levar a quedas de maiores magnitudes e, de novo, por um período de anos.

Como está a queda dos preços?

Eu tenho uma empresa que, no ano passado, começou a produzir o índice S&P Case-Shiller Home Prices, em conjunto com a agência de rating Standard & Poor¿s. Temos um mercado futuro para dez cidades americanas na Bolsa de Chicago, que prevê queda nos preços das casas para 2008, em todas essas dez cidades.

Qual seria o impacto dessa situação no crescimento econômico?

A queda dos preços das casas reduz os gastos do consumidor, porque existe um efeito na riqueza. Até agora, os preços não caíram muito, então o consumo se manteve muito bem. Mas, enquanto os preços caem, podemos esperar algum declínio no consumo e isso vai contribuir para o enfraquecimento da economia. Se isso vai nos levar a uma recessão, ainda não está claro, mas acho que existe uma possibilidade.

Como o sr. compara a situação de hoje à bolha de tecnologia?

Acredito que o boom do mercado imobiliário é um eco da bolha de tecnologia. As pessoas se tornaram investidores muito entusiasmados na década de 1990. Depois da queda do mercado acionário, elas voltaram suas atenções para o mercado imobiliário.

Quem é: Robert J. Shiller

Professor de Economia da Yale University.

Graduado em Administração pela University Michigan em 1967 e Ph.D. em Economia

pelo Massachusetts Institute of Technology em 1972.

Foi vice-presidente da American Economic Association e escreve a coluna ¿Finanças no século 21¿ , publicada no mundo todo.