Título: Um bom projeto para os estágios
Autor: Macedo, Roberto
Fonte: O Estado de São Paulo, 31/05/2007, Espaço Aberto, p. A2

A imprensa ainda não deu o merecido destaque ao projeto de lei enviado pelo presidente Lula ao Congresso Nacional, no dia 17 do mês passado, em regime de urgência. O projeto trata do estágio de estudantes de educação superior, educação profissional e ensino médio, e altera a disciplina jurídica do aprendiz. Vou abordar o primeiro tipo de estágio, sobre o qual escrevi artigos neste espaço, chamando a atenção para distorções com que é praticado.

É sabido que muitas vezes o estagiário é um empregado disfarçado, assumindo papéis típicos dos efetivos, e costuma ter jornada de oito horas, incompatível com um bom desempenho nos estudos. Já vi anúncio de estágios para ¿estudantes com automóvel¿, e o trabalho era o de demonstrar produtos a potenciais clientes. Outro anúncio emblemático das distorções existentes buscava ¿estagiários com experiência¿.

Quando escrevi sobre o assunto, recebi várias denúncias de estagiários que se sentiam frustrados com sua experiência e com a exploração a que eram submetidos. Alguns se intitulavam ¿escraviários¿.

Com o projeto o governo demonstrou estar ciente dessas e de outras distorções, pois a exposição de motivos diz que ¿visa moralizar o estágio e valorizá-lo enquanto prática educativa, ao mesmo tempo em que estabelece mecanismos para coibir a sua utilização como forma de absorção precoce de mão-de-obra, o que lamentavelmente corresponde à realidade em curso no país hoje¿.

O projeto pode ser consultado no portal e, ali, por meio do ícone Legislação. O aspecto crucial é o que limita a duração dos estágios a seis horas por dia, ou 30 por semana, exceto nos cursos em que há períodos alternados de teoria e prática, caso em que esse tempo poderá ser estendido a oito e 40 horas, respectivamente, desde que tais períodos estejam previstos nos projetos pedagógicos do cursos. Nos estágios de duração igual ou superior a um ano, o estagiário também terá direito a 30 dias de recesso. Os parlamentares que examinarão o projeto saberão muito bem do que se trata.

Entre outros aspectos importantes, o projeto também define com maior clareza o papel das instituições de ensino, vinculando os estágios a seu projeto pedagógico. Nessa linha, há regras para contratação, supervisão e avaliação das atividades dos estagiários. Percebe-se a preocupação de dar às instituições de ensino um papel mais ativo em todo o processo, deixando de apenas referendar contratos de estágio, como fazem muitas no regime atual.

Há também multas e outras penalidades para infrações, que podem impedir um contratante de recorrer a estagiários por dois anos, bem como levar ao reconhecimento de vínculo empregatício para todos os fins da legislação trabalhista e previdenciária.

O projeto mantém o útil papel dos chamados agentes de integração, entidades que fazem a intermediação entre contratantes e estagiários. Mas esse serviço se limitará à identificação das oportunidades de estágio, cadastramento delas e dos estudantes interessados e contratação de seguro contra acidentes pessoais para os estagiários.

Como esses agentes cobram seu trabalho dos contratantes, sabe-se que sempre foram reticentes a criar restrições para os estágios, como essa do número de horas, pois temem que levem à diminuição do mercado em que atuam. Espera-se, contudo, que prevaleça o interesse governamental, das instituições de ensino e dos próprios estudantes de fazer do estágio uma experiência pedagogicamente enriquecedora.

Aliás, em face do seu conhecimento dos contratantes, esses agentes deveriam procurar convencê-los de que a redução do número de horas dos estágios também é de seu interesse, pois um melhor desempenho escolar aprimorará o trabalho do estudante, tanto na condição de estagiário, como de futuro trainee e empregado. E mais: com menor número de horas por estagiário, poderão ampliar o número de estágios oferecidos.

Essa ampliação não é um objetivo explícito do projeto, mas poderá ocorrer se os contratantes e os agentes de integração forem autênticos nos seus discursos, sempre voltados para o significado pedagógico dos estágios que oferecem, estes também anunciados como um exercício de sua responsabilidade social.

Como outros, o projeto pode ser aprimorado. Uma fragilidade é que limita a contratação de estagiários a pessoas jurídicas, e é preciso estendê-la também a pessoas físicas. Por que impedir profissionais que trabalham por conta própria da possibilidade de oferecerem estágios e os estudantes, de usufruí-la? Também é muito forte a restrição de que o número total de estagiários não poderá ser superior a 10% do quadro de pessoal da parte concedente. Isso excluiria as pequenas empresas do processo, inclusive aquelas onde trabalham apenas os sócios, o que não é desejável.

Dito isto, vale lembrar que estamos diante de um projeto que ainda terá de passar pelo Congresso, onde poderá ser aprimorado, como nos casos apontados, mas também remendado e mutilado, descaracterizando assim seus bons propósitos.

O regime de urgência com que foi enviado também é sintomático de sua importância, mas é preciso que as forças que buscam o aprimoramento dos estágios atuem rapidamente no sentido de convencer a base aliada do governo e a oposição do que se espera delas ao examinarem o assunto. Ou seja, o forte interesse e a grande disposição de trabalho dos estagiários, bem como o desempenho de profissionais experientes e eficazes no trabalho de legislar pelo bem comum, sem sucumbir às pressões que surgirão para manter o status de uma indústria de estágios e de seus muitos ¿escraviários¿.