Título: Estudantes rejeitam pecha de 'bucha de canhão'
Autor: Costas, Ruth
Fonte: O Estado de São Paulo, 31/05/2007, Internacional, p. A13

O duro discurso de Hugo Chávez na terça-feira caiu muito mal para o movimento estudantil venezuelano, que voltou às ruas depois de oito anos de relativa apatia para protestar contra o fechamento da RCTV. Chávez acusou os jovens de ser 'bucha de canhão' de setores oposicionistas que querem ver mortos, como parte de um plano para desestabilizar o seu governo. Mas uma conversa com alunos mostra que a manifestação é espontânea. 'Não queremos saber de política nem somos pagos pela CIA', disse ao Estado Dayane Rodrigues, de 18 anos, da Universidade Católica Andrés Bello (Ucab), que ontem se juntou a uma passeata em Chacaito. 'Estamos aqui porque queremos. Sentimos que o governo passou dos limites e há uma grande ameaça à liberdade de expressão.'

No quarto dia de protestos, milhares de estudantes marcharam de Chacaito até a sede do Ministério Público para entregar um documento exigindo a libertação de 182 jovens presos no dia anterior e a proteção de seu direito de manifestação. Segundo a promotoria, muitos foram liberados ontem, mas ao menos 40 serão processados - incluindo alguns menores. À noite, pelo menos 75 estudantes ainda estavam detidos só no Estado de Miranda. Na porta da polícia local, dezenas de pais e mães se amontoavam pedindo notícias dos filhos, já que não havia lista oficial de detidos.

'Não estamos aqui para derrubar o governo, e sim para defender a democracia e a Venezuela', disse em Caracas o líder estudantil John Goicochea, da Ucab. Ele criticou o presidente por ter pedido que seus aliados nas favelas se mobilizassem para conter um suposto golpe: 'É uma irresponsabilidade chamar grupos radicais para enfrentar os estudantes.' À tarde, grupos de motociclistas chavistas entraram em confronto com estudantes na capital.

Os manifestantes são de universidades privadas, como a Simón Bolívar e a Metropolitana, e públicas, como a Central da Venezuela, em Caracas, e a dos Andes, em Mérida. Para evitar o confronto com a polícia, muitos se sentam ou ajoelham quando o clima esquenta: 'Quem não agacha é chavista', gritam. Eles se comunicam por e-mail e celular, passando endereços e horários das novas manifestações, e dizem-se dispostos a ficar nas ruas por semanas até ter suas reivindicações atendidas: a volta das transmissões da RCTV e a garantia da autonomia das universidades. A última reivindicação foi formulada em resposta a projetos do governo de nomear inspetores que poderiam supervisionar o ensino universitário, destituindo diretores quando julgassem necessário. 'A juventude estava fora das ruas porque não estávamos nos sentindo diretamente ameaçados pelo presidente, mas agora estaremos mais vigilantes em relação a nossos direitos', disse ao Estado Vanessa Cattin, de 19 anos, estudante de Direito da Universidade Monte Ávila.