Título: Fim da RCTV divide bases chavistas
Autor: Costas, Ruth
Fonte: O Estado de São Paulo, 31/05/2007, Internacional, p. A13

A polêmica aberta com o fim das transmissões da Rádio Caracas Televisão (RCTV) na Venezuela deu visibilidade para uma oposição ao presidente Hugo Chávez muito mais palatável para quem não tem convicções políticas radicais. Saíram de cena as classes políticas tradicionais e as associações empresariais - desgastadas aos olhos de boa parte da população - e entraram os estudantes universitários, atores de novela e outras celebridades. Ontem, até o capitão da seleção venezuelana de futebol, José Manuel Rey, ligou para a TV Globovisión, única que se mantém na oposição ao presidente, para lamentar a saída do ar da RCTV.

As manifestações são muitas e emocionadas. Protagonista da novela mais popular do país, Mi Prima Ciela, a ex-miss Monica Spear chorou diante das câmeras no domingo, último dia da emissora no ar, e o ator veterano Franklin Virgüez ajoelhou-se num programa de TV ontem para pedir a volta das transmissões. Mal comparando, é como se Antônio Fagundes e Claudia Abreu viessem a público implorando para que o presidente lhes devolvesse o emprego. 'Esse tipo de manifestação tem grande apelo, não só na classe média - igualmente crítica ao presidente e aos políticos da oposição -, como entre os chavistas, que cresceram vendo os humorísticos e novelas (da RCTV)', disse ao Estado o cientista político Herbert Koeneke, da Universidade Simón Bolívar. 'Nunca tivemos uma divisão tão profunda na base de apoio do presidente, nem uma crítica tão coesa contra ele na comunidade internacional.'

Há 53 anos no ar, a RCTV era a emissora mais popular da Venezuela, mas o governo se recusou a renovar sua licença para transmitir pelo canal 2 alegando que seus diretores eram 'golpistas' e não cumpriram compromissos legais e fiscais. A decisão motivou uma onda de manifestações estudantis por todo o país, que já deixou um saldo de dezenas de feridos e 182 detidos - menores de idade, na maioria.

Nos últimos anos, a audiência da RCTV rondava os 40% - boa parte, das classes D e E. 'Sempre apoiei o presidente Chávez porque ele criou muitos projetos para melhorar a vida na comunidade onde moro, no Petare, mas fechar a TV que todos nós víamos desde que nascemos não pode estar certo', disse ao Estado Maria Victória Azueta, vendedora ambulante de 30 anos. Como ela, muitos chavistas ficaram decepcionados com a medida, apesar de outros - e especialmente aqueles que fazem parte das missões educativas e das universidades bolivarianas - terem marchado em favor do governo.

De acordo com uma pesquisa da consultoria Hinterlaces, cerca de 80% da população rejeita a ação contra a TV. Chávez se reelegeu com 62% em dezembro. 'O custo político de fechar a RCTV foi muito alto tanto no plano interno quanto no externo', disse ao Estado o historiador Manuel Caballero, para quem a decisão pode ter sido um dos maiores erros táticos de Chávez. 'Agora é muito mais difícil para o presidente caracterizar a oposição a seu governo como uma oligarquia elitista e inescrupulosa.'

CRÍTICA A LULA

O vice-presidente das organizações Globo, João Roberto Marinho, classificou o fechamento da RCTV de 'inaceitável' e contestou os argumentos apresentados pelo presidente Lula para não se envolver na questão. Em entrevista à agência EFE, Marinho disse que a liberdade de expressão é um assunto que transcende a política interna venezuelana, ao contrário do que disse Lula, e 'deveria ser cultivada em toda a humanidade'. Em Brasília, o Senado aprovou uma moção pedindo a reabertura da RCTV.

MESMO ENTRE AMIGOS, LONGE DA UNANIMIDADE

Bolívia - Evo Morales diz que em seu país não há só liberdade, como também 'libertinagem' de expressão, mas afirma que 'jamais' fechará rádios ou TVs.

Equador - Lenin Moreno, vice do presidente socialista Rafael Correa, pede respeito pela liberdade dos meios de comunicação.

Chile - Presidente socialista Michelle Bachelet qualifica a liberdade de imprensa de 'regra de ouro' da democracia.

Brasil - Depois de qualificar o fechamento da RCTV de 'problema da Venezuela', o presidente Lula disse terça-feira, sem citar Chávez, que só ouvintes, telespectadores e leitores têm a prerrogativa de julgar a imprensa.

México - Partido da Revolução Democrática, normalmente alinhado com Chávez, qualifica o fechamento da RCTV de 'situação preocupante que pode danificar a convivência democrática e polarizar a sociedade venezuelana'.

Chavistas na Assembléia - No Legislativo venezuelano, na terça-feira, o deputado Ismael García, do governista Podemos, critica a não renovação da concessão da RCTV.