Título: Mobilização contra nada
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 26/05/2007, Notas e Informações, p. A3

Quem observasse a distância - de outro país ou de outro planeta - a extraordinária mobilização ocorrida no território nacional nessa quarta-feira para a ¿luta nacional por nenhum direito a menos¿, certamente pensaria que o Brasil já vive ou está prestes a sofrer uma violenta convulsão social, tal a extensão que assumiram as manifestações em 16 Estados e no Distrito Federal, em que 30 estradas foram bloqueadas, greves foram deflagradas, pedágios foram liberados, prédios e grandes instalações de serviço público - caso da Hidrelétrica de Tucuruí - foram invadidos e confrontos com a polícia desandaram em violências (no Pará e especialmente em São Paulo).

Só que, na verdade, o País não vive convulsão social alguma nem qualquer ameaça a direitos que pudesse provocá-la. Na verdade, a grande ¿mobilização nacional¿ está mais para as revoltas ¿existenciais¿ dos tempos dos ¿rebeldes sem causa¿ ou da ¿juventude transviada¿ do cinema americano dos anos 50. Ou seja, no fundo, tratou-se de uma formidável mobilização contra coisa alguma.

No chamado Dia Nacional de Luta Unificada por Nenhum Direito a Menos, alguns milhares de servidores públicos em São Paulo e pequenos grupos comandados pela Central Única dos Trabalhadores (CUT) e pelo MST em todo o País protestaram contra ¿propostas de reforma das leis trabalhistas e previdenciárias¿. Só que essas propostas ainda não existem. Os manifestantes se lançaram contra uma abstração que ainda nem chegou a transformar-se em virtualidade. De qualquer forma, da parte das lideranças houve a tentativa de encontrar-se um pretexto paralelo, capaz de ampliar o movimento até ¿paralisar o País¿. Foi o caso do presidente da CUT, Artur Henrique. O pretexto - a Emenda 3, vetada pelo presidente Lula e em relação à qual a entidade pressiona o Congresso para que não derrube esse veto - apenas tangencia a relação capital/trabalho, o que não impede o líder cutista de ameaçar deflagrar uma greve geral no País. Foi para brandir essa ameaça que seus militantes se concentraram em frente à sede da Fiesp, na Avenida Paulista.

Ainda na capital paulista, cerca de 5 mil manifestantes tentaram invadir a Assembléia Legislativa, onde era discutido o projeto de reforma da Previdência estadual apresentado pelo governador José Serra. A Polícia Militar teve que ser acionada e usar cassetetes e spray de pimenta para detê-los. Houve feridos, em conseqüência dessa visão irresponsável do que seja uma mobilização reivindicatória.

Já nos outros Estados o MST usou como pretexto para suas 30 paralisações de rodovias, em 9 unidades da Federação, ¿a política econômica do governo e o modelo do agronegócio¿, que estaria impedindo a reforma agrária. Para a direção do MST é o ¿modelo neoliberal¿que está por trás das propostas de flexibilização das leis trabalhistas.

A Usina de Tucuruí foi ocupada por cerca de 600 manifestantes do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), com apoio da Via Campesina (organização de agricultores subsidiados europeus) e do MST. Foi a manifestação que mais deu preocupação ao governo, que para lá enviou tropas do Exército e obteve a desocupação pacífica - após ameaças dos manifestantes de ¿radicalizar¿. Razão fundamental do protesto? ¿O problema não está nas barragens em si, mas no modelo energético¿ - explicou um dos coordenadores do MAB. Como se vê, há motivos de protesto para todos os gostos...

Não pode deixar de ser considerada uma contradição aberrante, que fere o mais elementar princípio da lógica, o fato de os chamados ¿movimentos sociais¿, como o MST, terem dado - e continuarem a dar - pleno apoio político ao governo de Luiz Inácio Lula da Silva e, ao mesmo tempo, se colocarem com a maior agressividade contra, justamente, a política mais bem-sucedida do governo, fulcro real de toda a avaliação positiva (técnica ou popular) que tem recebido, vale dizer, sua política econômica. Mas é claro que racionalidade e lógica são as últimas coisas a se buscar nessa formidável mobilização contra abstrações.

Na verdade, apesar de manifestantes falarem tanto em ameaças que sofrem de perda de direitos, não há direito algum ameaçado no Brasil atual, a não ser o direito de ir-e-vir de todos os cidadãos, em razão dessas badernas quase cotidianas.