Título: O inimigo errado
Autor: Ming, Celso
Fonte: O Estado de São Paulo, 26/05/2007, Economia, p. B2
O governo federal trabalha para que o Mercosul aprove em meados de junho o aumento de tarifas alfandegárias para três setores que se consideram prejudicados pela valorização do real.
A decisão é elevar a 35% a Tarifa Externa Comum (TEC) de têxteis e calçados, que hoje é de 20%, e dos móveis, que é de 18%. É decisão questionável, por uma série de razões. Aqui vão duas:
Primeira, porque, para enfrentar a valorização do real, uma das propostas é agir na direção oposta, ou seja, na de maior abertura às importações, para que a maior procura de dólares contrabalance a enorme oferta proveniente do aumento das exportações e do investimento direto. É o que defende o ex-ministro Delfim Netto, presidente do Conselho de Economia da Fiesp.
Segunda, porque vai encarecer o produto importado apenas em 10% a 15%, insuficiente até para compensar a valorização do real nos últimos 12 meses.
Mesmo se fosse eficaz na proteção do mercado interno contra a invasão asiática, o aumento da barreira alfandegária não protegeria a indústria no mercado externo, onde perde fatias para o competidor asiático.
O comércio de confecção de vestuário contesta o argumento da indústria. Baseado em conclusões do Instituto de Estudos de Marketing Industrial (Iemi), diz que só 3,6% dos produtos vendidos no mercado interno são importados. Assim, a elevação das alíquotas não teria densidade para defender o mercado interno contra uma invasão asiática.
O presidente da Associação Brasileira do Varejo Têxtil, Sylvio Mandel, que responde pela rede de grandes lojas, garante que as importações do setor se concentram nos artigos de inverno, particularmente jaquetas e malharias, cujos pedidos a indústria brasileira não consegue atender. ¿É raro encontrar fornecedor com capacidade para realizar o acabamento das peças na técnica fully fashion, que dispensa recortes em mangas, cavas e golas.¿
O superintendente da Associação Brasileira da Indústria Têxtil, Fernando Pimentel, que defende os interesses dos produtores, discorda. ¿Se apenas 3,6% dos produtos vendidos por eles são importados, fica claro que a indústria dá conta da demanda.¿
A questão de fundo é a de que a indústria segue brigando contra o inimigo errado. O problema não é o câmbio torto; é o alto custo Brasil que o câmbio favorável até há alguns meses camuflava.
A indústria de confecção se espalha em milhares de pequenas firmas que se refugiam na informalidade porque não sobreviveriam se pagassem todos os encargos. Para encarar o problema, o governo federal criou o Simples, o sistema tributário (que a 1º de julho deverá ser transformado em Supersimples) que dá tratamento privilegiado à pequena empresa, desde que ela não cresça. Sem poder crescer, o setor é incapaz de se capitalizar, se modernizar e ganhar escala de produção. Assim, não há aumento de tarifa que dê conta do recado.