Título: Em 1979, STF julgou autonomia da USP
Autor: Tavares, Flávia
Fonte: O Estado de São Paulo, 04/06/2007, Vida&, p. A13

Em meio à polêmica em torno da interpretação dos decretos do governador José Serra (PSDB) e à discussão sobre a autonomia universitária que se seguiu a eles, os reitores das três universidades estaduais paulistas carregavam na manga um antigo acórdão do Supremo Tribunal Federal como forte argumento de que nada poderia mudar em suas administrações.

O documento data de 1979 e deu vitória, por unanimidade, à Universidade de São Paulo (USP) num processo que teve início cinco anos antes, quando o Tribunal de Contas do Estado (TCE) vetou remanejamentos feitos pela instituição, afirmando que eles deveriam ser aprovados pelo governador.

Em 1974, quando ainda vigorava o regime militar no País, o TCE reprovou as contas apresentadas pela universidade e determinou que todos os remanejamentos feitos em seu orçamento anual deveriam ser aprovados previamente pelo governador. Sentindo-se ferida em sua autonomia administrativa e de gestão, a instituição entrou com um mandado de segurança contra o Estado.

Na época, ainda não existia a Constituição atual, que entrou em vigor em 1988, e onde está o artigo que garante a autonomia universitária. Também não existia o decreto estadual que reforça essa prerrogativa válida hoje, que foi editado em 1989.

O principal argumento usado pela equipe jurídica da USP no processo foi o próprio estatuto da instituição, aprovado num decreto de 1969. Foram usadas também as bases do ensino superior, que constavam da lei federal de 1968, que atribuía autonomia financeira às universidades do País.

A USP perdeu em primeira instância. Recorreu e perdeu novamente. Os anos passaram e, em 1979, o caso chegou ao STF, no Recurso Extraordinário N.º 83.962-3. Em abril daquele ano, o então ministro Pedro Soares Muñoz escreveu no relatório que ¿o controle financeiro se faz `a posteriori¿, através da tomada de contas e inspeções contábeis¿.

Para chegar a essa conclusão, aprovada por unanimidade, ele analisa que ¿a matéria é de magna transcendência para a administração pública estadual, merecendo a palavra final do excelso pretório a seu respeito, porquanto envolve a exegese definitiva de dois princípios constitucionais, que devem ser harmonizados, embora com prevalência de um sobre o outro, sem prejuízo de sua respectiva grandeza: o da autonomia política do Estado frente ao da autonomia financeira absoluta da universidade¿.

O acórdão continua: ¿subordinar cada uma dessas mutações internas das despesas de custeio à aprovação do governador do Estado, como decorrerá da exegese esposada pelo Tribunal de Contas do Estado, é condenar a USP a uma subordinação intolerável, jungindo-a em atos comezinhos de sua economia ao alvedrio do Poder Executivo. Será a mutilação ou a castração de sua autonomia, despojando-a de uma qualidade indispensável ao regular o eficaz funcionamento da universidade, ao arrepio da lei e do sistema federal do ensino superior¿.

Os ministros do STF entenderam, na época, que a universidade, mesmo fazendo parte da administração indireta do Estado, e classificada como uma autarquia especial, não poderia ser entendida como mais um órgão comum, que fica subordinado aos procedimentos normais do Executivo.

Agora, mais de 25 anos depois e das novas regras que constam da Constituição de 1988, esse documento voltou a ser mencionado dentro da universidade, principalmente nas reuniões que envolveram os reitores e os secretários estaduais desde o início do ano.

De acordo com fontes ouvidas pelo Estado, essa era uma das garantias que os reitores pretendiam apresentar, e guardavam como forte argumento a ser usado publicamente caso sentissem que haveria risco à sua autonomia universitária.

O QUE DIZ O ACÓRDÃO

Como começou: Em 1974, o Tribunal de Contas do Estado vetou os remanejamentos feitos durante o ano pela USP. Para o órgão, os reitores não poderiam mexer no Orçamento sem autorização do governador

Contestação: A universidade entrou com mandado de segurança contra o Estado de São Paulo, argumentando que tinha sido ferida na sua autonomia administrativa e de gestão

Argumentos: Foi usado, pela universidade, o seu próprio estatuto e a lei federal de 1968 que falava sobre a autonomia das universidades

Derrotas: A USP perdeu em primeira e segunda instâncias. A decisão favorável veio apenas cinco anos depois no STF

O acordão: ¿Deverá ser respeitada a capacidade de decisão da entidade de ensino em relação ao seu próprio orçamento, sem interferência de outros órgãos. Tal capacidade é intrínseca à autonomia prevista, sob pena de não haver motivo para a sua previsão legal¿

A conclusão: ¿A autonomia universitária é regulada pela legislação federal, não podendo a legislação estadual, a título de suprimento ou complemento, dispor de maneira diferente àquela prevista no modelo federal para a própria independência da universidade.¿