Título: Valorização do real freia aumento de produtividade das empresas
Autor: Dantas, Fernando
Fonte: O Estado de São Paulo, 04/06/2007, Economia, p. B1

O município de Barreira, Ceará, com 1 8 mil habita ntes, viveu uma revolução produtiva a partir de 1999, ano em que houve a primeira exportação de castanha de caju da cidade. Naquele momento, iniciou-se o processo que levaria à montagem de 8 minifábricas e 30 microunidades familiares de processamento, e a grandes melhoras técnicas na plantação de cajueiros. Em 2004, Barreira já exportava 100 toneladas de castanha por mês, no valor de US$ 80 mil.

Hoje, com a enorme desvalorização do dólar, o município teme perder tudo o que foi conquistado. A receita obtida em reais com um quilo exportado de castanhas caiu de R$ 1,60, em 2004, para R$ 0,80. A exportação recuou para 40 toneladas por mês. 'Nós estamos vivendo um retrocesso de seis anos, os produtores não conseguem mais tratar a terra nem custear a mecanização', diz Antônio Peixoto, principal liderança local do setor de caju. Ele lembra que o problema não se restringe ao município, já que o modelo de pequeno negócio agro-exportador de castanha estendeu-se para outras regiões do Nordeste, em Estados como Rio Grande do Norte e Piauí.

O caso de Barreira ilustra um risco da valorização cambial diferente do costumeiro alarme quanto à desindustrialização do País, que até agora ninguém conseguiu demonstrar que esteja mesmo acontecendo. Economistas como Eliana Cardoso, da Fundação Getúlio Vargas de São Paulo (FGV), observam que o perigo do real forte é outro, e reside no fato de que a exportação é um dos maiores canais de aumento da produtividade da economia. 'Os setores exportadores estão sempre à frente em termos de desempenho e de excelência', diz Claudio Vaz, presidente do Centro das Indústrias do Estado de São Paulo (Ciesp).

Assim, à medida que o câmbio vai inviabilizando as vendas externas em diversos setores, histórias como a de Barreira - um município pobre do Nordeste que começa a viver um rápido processo de sofisticação da atividade produtiva e de aumento de salários - vão sendo interrompidas ou revertidas.

A ligação entre câmbio desvalorizado e rápido crescimento econômico é controversa, mas estudos recentes indicam que ela pode ser verdadeira (ver matéria). Uma das explicações é que os exportadores são expostos a uma combinação de pressão competitiva, padrões de qualidade e acesso às melhores práticas internacionais. Peixoto explica, por exemplo, que 100% da castanha de Barreira que é exportada é do tipo 1 e 2, de maior qualidade. Já no mercado interno, 66% das vendas são dos tipos inferiores 3 e 4.

Segundo Sérgio Baima, assessor técnico do Instituto Agropolos, em Fortaleza, o Ceará foi particularmente beneficiado em termos socioeconômicos pelo boom de exportações de pequenos exportadores e arranjos produtivos locais nos últimos anos. Em frutas, o Estado saiu de uma exportação de US$ 800 mil em 1999 para US$ 49,5 milhões em 2006.

Embora as exportações do Estado ainda estejam crescendo, Baima diz que os efeitos do câmbio já se fazem sentir em alguns segmentos. 'As exportações de frutas por via aérea, que têm maior valor agregado, foram interrompidas.' Ele acrescenta que, em outros setores, as dificuldades para exportar são crescentes, e os pequenos negócios estão retrocedendo ao mercado interno.

Outro exemplo de retrocesso exportador é o da Api-Silvestre, empresa catarinense da cidade de Urubici, que compra e revende mel. As exportações da Api-Silvestre chegaram a 1.693 toneladas em 2003 e caíram para menos de 300 em 2006. O gerente de suprimentos da empresa, Vilmar Souza, explica que parte da queda deveu-se a um embargo da Comunidade Européia (UE) iniciado em março de 2005, e o pico em 2003 esteve ligado a um embargo semelhante do mel chinês e argentino. Ainda assim, ele avalia que 50% da retração nas exportações pode ser explicado pela valorização do real.