Título: Caos e retrocesso
Autor: Mesquita, Fernando César
Fonte: O Estado de São Paulo, 16/05/2007, Espaço Aberto, p. A2
Em 1988, a repercussão mundial do desmatamento na Amazônia era tão negativa que os bancos multilaterais internacionais suspenderam financiamentos para o Brasil. Fez-se um amplo diagnóstico ambiental do País e se criou o Ibama, com o objetivo, entre outros, de enfrentar essa situação. Foram extintas, em conseqüência, as quatro agências que, com exceção da Sema, fracassaram no cumprimento de suas finalidades no assunto, por conflitos de competência, estruturas duplicadas e corrupção.
Concentrou-se num único órgão a gestão dos recursos naturais renováveis, dentro da linha do desenvolvimento sustentável prevista na ECO-72, em Estocolmo. O Congresso aprovou leis, Sarney regulamentou-as e decretou a suspensão dos incentivos fiscais para projetos agropecuários na Amazônia. Levantamento do Inpe de 1988 a 1989 mostrou que a destruição da floresta, que havia sido de 17.770 km2, caíra para 13.730 entre 1989 e 1990. E no biênio seguinte ficou em apenas 11.030 km2.
O Ibama atuou bem, mas hoje carece dos recursos financeiros e de pessoal indispensáveis para trabalhar. Outro problema é o aparelhamento político. Retiraram a pesca do seu controle, as ONGs impuseram o Serviço Florestal Brasileiro. Propuseram, ainda, o Instituto Chico Mendes - a reserva extrativista que recebe seu nome está abandonada.
Quanto às licenças, até dezembro de 2002 a Diretoria de Licenciamento se reunia com os empreendedores governamentais para ajustar medidas necessárias à sua concessão para as obras prioritárias, no Programa Avança Brasil, com a responsabilidade de cada parte, e o que deveria ser cumprido nos prazos. Houve melhoria na qualidade dos estudos e se evitou solução de continuidade nos projetos. A partir de janeiro de 2003, por falta de interlocução começou o atraso na concessão das licenças. Os pedidos para reuniões encontraram obstáculos intransponíveis. E a experiência revela que, em muitos casos, a análise realizada pelo Ibama, com a participação dos interessados, levou à melhoria e maior eficiência do empreendimento, sem perda em termos de qualidade do meio ambiente e sem danos para as comunidades que poderiam ser afetadas.
O enfraquecimento do Sisnama implicou também atraso, em função da disputa da titularidade do licenciamento e pelos valores destinados à compensação ambiental. E o arrefecimento do Programa de Modernização do Licenciamento Ambiental Federal (Slaf) - que contava com recursos do BID - levou ao retrocesso, uma vez que o Slaf, ao lado da definição de procedimentos e da produção de manuais para o licenciamento por atividade, apoiava a desconcentração das suas atividades para as Superintendências do Ibama, com a criação e estruturação dos Núcleos de Licenciamento. Essa estratégia permitia maior agilidade na realização de vistorias, com redução de custos, porquanto o deslocamento de técnicos de Brasília só ocorria quando realmente havia necessidade. Ao lado de tudo isso, o Slaf, no âmbito de seu programa de capacitação e treinamento, valorizava o conhecimento das peculiaridades regionais, por parte dos técnicos lotados nos Estados. Além disso, a falta de experiência, de coordenação e de iniciativa por parte das estruturas de comando resultou na situação de impasse hoje existente quanto às licenças, levando até mesmo ao questionamento de um dos principais instrumentos da política ambiental brasileira - e conquista em nível constitucional -, que é a avaliação prévia de impacto e o licenciamento ambiental.
Assim, a criação do novo instituto, desaparecendo algumas funções, como a educação ambiental, será mais uma contribuição ao retardamento das licenças. O processo de licenciamento demanda essas áreas para pareceres e definição do porcentual do pagamento da compensação ambiental pelo empreendedor. Com a divisão, ferindo o interesse maior da proteção dos diversos ecossistemas, teremos dois comandos, um do Ibama e outro do novo instituto. Outro fator de conflito certamente diz respeito à utilização dos citados recursos oriundos da compensação ambiental, pois um instituto estaria ¿trabalhando¿ para o outro, já que são para uso exclusivo da criação ou manutenção de unidades de conservação de proteção integral.
Desse modo, a efetiva implementação do licenciamento ambiental - e a não-invenção de mais um ente burocrático - é essencial à melhoria do processo de controle ambiental e, em conseqüência, da concessão das licenças. A legislação ambiental brasileira não deve ser alterada, porém a regulamentação do artigo 23 da Constituição, em andamento no Congresso, é urgente para minimizar as dificuldades a respeito da competência quanto ao licenciamento. Todavia, deve-se atentar para a Lei 10.410/2002, que criou a Carreira de Especialista em Meio Ambiente, que, dentre outros, é composta pelo cargo de analista ambiental. É que, conforme o inciso I do artigo 1º, o ingresso nos quadros do Ibama se fará mediante aprovação em concurso público, tendo como requisito de escolaridade o curso superior completo ou a habilitação legal equivalente. Ou seja, independentemente da formação profissional, o analista ambiental estará habilitado a desenvolver as atividades inerentes ao cargo, dentre elas a análise dos estudos ambientais que subsidiam a decisão quanto à concessão das licenças. Em tese, podemos ter um profissional formado, por exemplo, em Educação Física analisando os complexos estudos de viabilidade ambiental de uma usina hidrelétrica ou de um gasoduto.
Em conclusão, o que estão propondo é o caos e o retrocesso em matéria de gestão ambiental.