Título: Otimismo, mas com prudência
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 16/05/2007, Notas e Informações, p. A3

O ministro da Fazenda, Guido Mantega, procurou exibir tranqüilidade e até otimismo diante da valorização do real - conseqüência da enxurrada de dólares no mercado brasileiro - ao discursar na abertura do 19º Fórum Nacional, na segunda-feira. Segundo o ministro, a depreciação da moeda americana, apontada como grave problema por muitos empresários, decorre tanto do bom estado da economia brasileira quanto das condições internacionais. Mais dólares vão entrar no País, afirmou, e a valorização cambial não está impedindo o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB).

O ministro pode mencionar vários dados positivos para justificar seu otimismo. Mas é necessário, para uma avaliação realista da situação brasileira, levar em conta problemas ignorados ou menosprezados em seu discurso. Realismo é antes de mais nada uma questão de prudência.

Para começar, os dados positivos: a economia nacional é hoje muito mais estável e menos vulnerável do que era há alguns anos. Desde o Plano Real foram criadas condições para a contenção da inflação. O Banco Central (BC) tem cumprido sua tarefa mais importante, a defesa da moeda. Para isso tem contrariado, com freqüência, a opinião de figuras importantes do PT e das forças aliadas.

A melhora do setor externo tem sido notável. Desde a mudança da política de câmbio, em janeiro de 1999, as exportações voltaram a crescer, o descontrole das importações foi eliminado e o País acumulou superávits não só na conta de mercadorias, mas também nas transações correntes.

O superávit nas contas correntes tem sido a causa principal da acumulação de moeda estrangeira, mas é preciso levar em conta a combinação de outros fatores. Sobra dinheiro no mundo e os detentores desse capital procuram as aplicações mais lucrativas, dentro de padrões de segurança.

Grandes volumes de dólares têm sido carreados para várias economias emergentes. Nos últimos dias, o fluxo de moeda estrangeira derrubou o valor do dólar para menos de R$ 2 no Brasil e para baixo de 2 mil pesos na Colômbia - apenas dois exemplos de como a sobra de dólares vem afetando os mercados cambiais. No caso do Brasil, o excesso de moeda americana é atraído também pelos juros elevados, uma conseqüência da política monetária mantida com firmeza - ou com teimosia, segundo os críticos - pelo BC.

Mas o excesso de moeda é só um dos aspectos notáveis do quadro internacional. A economia global cresce pelo quinto ano consecutivo. Taxas de expansão tão altas e duradouras nunca haviam sido observadas nos últimos 60 anos. Esse crescimento, pela presença de novos e grandes atores, como a China e a Índia, tem contribuído para a forte valorização dos produtos básicos. Ninguém sabe quando terminará a fase de expansão nem como será a acomodação da economia global. Os especialistas em previsões têm sido desmentidos pelos fatos. Mas é razoável - e prudente - reforçar as defesas para quando o cenário mudar.

Essa tarefa o Brasil tem cumprido parcialmente, com a acumulação de reservas, hoje acima de US$ 120 bilhões. Mas é preciso cuidar de outros itens de segurança. O setor fiscal ainda é frágil, porque as despesas do governo, principalmente as de custeio, continuam crescendo mais velozmente que o PIB.

É preciso, além disso, cuidar do poder de competição de todos os setores, para garantir o resultado comercial quando os preços das commodities forem menos favoráveis. O governo tem prometido cuidar, de início, dos setores mais prejudicados pelo câmbio, mas isso é pouco. Uma política efetiva de competitividade tem de ser mais ampla e baseada em mudanças mais ambiciosas. O governo tem falado muito mais do que agido, quando se trata de política industrial e comercial. Alguns itens dessa política estão contidos no Programa de Aceleração do Crescimento, mais emperrado, por enquanto, do que as autoridades admitem. Se o governo tivesse cuidado há mais tempo de todos esses itens, o Brasil teria aproveitado muito mais a prosperidade internacional. Se não o fizer agora, os custos serão maiores quando o ambiente global for menos favorável.