Título: Abaixo dos R$ 2
Autor: Ming, Celso
Fonte: O Estado de São Paulo, 16/05/2007, Economia, p. B2

Na edição do dia 8 de abril esta coluna sugeriu que nas duas semanas seguintes o dólar poderia figurar nas prateleiras das lojas de mercadorias até R$ 1,99.

O Banco Central interveio mais pesadamente e, em vez de duas, foram necessárias cinco semanas. Como intervenção de banco central é incapaz de virar uma tendência, aí está o dólar valendo R$ 1,982, como apontou o fechamento de ontem.

A tabela mostra que a valorização das moedas de países emergentes diante do dólar não é fenômeno apenas brasileiro. E é tal a pressão que, no Brasil, as cotações continuarão escorregando, sabe-se lá até que nível, porque não há muito o que fazer para reverter a trajetória.

Ao contrário do que tantos apregoaram, as exportações estão reluzindo e crescem acima de 18% neste ano. O saldo comercial deverá terminar o ano até melhor do que no ano passado, quando foi de US$ 46,1 bilhões. Os investimentos estrangeiros líquidos estão cada vez mais fortes e devem superar os US$ 20 bilhões, apesar dos investimentos de brasileiros no exterior. Os tempos são de fartura de dólares, ambiente que tende a se acentuar, conforme aumentar a percepção sobre a melhora da economia.

As desgastadas recomendações para reverter o fluxo de dólares ainda circulam por aí. Mas não prometem muito. Os juros continuarão caindo, mas, já se vê, a leitura externa é a de que os fundamentos da economia melhoram a cada dentada do Copom e, assim, mais dólares acabam sendo despachados para cá.

Conter o afluxo de moeda estrangeira não parece eficiente num mercado financeiro globalizado, em que os recursos são virtuais. Uma solução seria facilitar importações para aumentar a demanda de dólares. Mas o governo acaba de fazer o contrário: elevou as tarifas de importação de têxteis, calçados e móveis.

A Fiesp ainda acalenta a idéia de que o governo sobretaxe exportações, como fazem a Argentina, a Rússia e o Chile. Mas este seria um seqüestro de fluxo de caixa das exportadoras, o mesmo que o governo boliviano fez com as refinarias da Petrobrás.

Como o problema real da empresa brasileira não é o câmbio e sim as dificuldades para competir - porque enfrenta um alto custo Brasil -, o caminho natural não é mudar o câmbio, mas derrubar a carga de impostos. Isso exige reforma tributária, cujo preço a sociedade reluta em pagar.

Depois de passar anos reclamando do câmbio, ontem, o diretor da Ciesp, Boris Tabacof, disse que o empresário brasileiro está adaptado ao dólar abaixo dos R$ 2. Ainda bem que houve esse ajuste, porque desse mato é improvável que saia o coelho tão esperado pela Fiesp e pelo Iedi.

Um dia alguém vai cobrar a omissão dessas duas instituições coligadas na preparação do empresário para o novo padrão cambial. Nos últimos quatro anos, criaram a falsa expectativa da sempre iminente reversão da trajetória do dólar. Quando o empresário se deu conta de que o câmbio é isso aí e não o que está na cabeça dos dirigentes de classe, ficou um pouco tarde. E o ajuste está saindo bem mais caro.