Título: 'Nada como um dia após o outro'
Autor: Tereza, Irany
Fonte: O Estado de São Paulo, 16/05/2007, Economia, p. B8

Ex-presidente do Banco Central (BC) no governo Fernando Henrique Cardoso, Gustavo Franco foi muito criticado quando interveio para reduzir a valorização cambial. Na época, lembra, foi acusado de manter artificialmente o real valorizado. Em sua avaliação, agora o efeito se repete quase da mesma forma. A diferença é a causa, que credita à conta de capitais naquela época e ao superávit comercial agora. ¿Nada como um dia após o outro¿, diz ele.

A que o sr. atribui a despencada do dólar e o que há de semelhante com o que ocorreu na sua gestão no BC?

Os dois episódios são muito semelhantes. Mesmo o período que vai de 1993 até a crise da Ásia se parece muito com o episódio de abundância cambial que começa, a rigor, a partir da Carta aos Brasileiros, feita pelo presidente Lula após assumir a liderança da campanha eleitoral, em 2002. Nas duas ocasiões, o BC acumulou reservas e teve de tomar providências para evitar a acumulação e a valorização excessivas da moeda. Nas duas ocasiões, se achou que o BC poderia ter evitado ou retardado a valorização. Na verdade, o que se achava, curiosamente, era que o BC, artificialmente, estava valorizando o real, o que se provou uma tolice completa. O que estamos assistindo agora é o governo do PT fazendo a mesma coisa e revelando exatamente como funciona a economia num contexto de abundância cambial.

Houve troca de papéis...

Acho que é educativo porque serviu para desmascarar uma crítica tola, freqüente na época, contra a dita política cambial. E não era problema da política cambial, mas do mercado de câmbio, que estava superofertado. Vejo como diferença importante o fato de que, no primeiro episódio, a abundância cambial tinha muito a ver com a conta de capitais, ao passo que hoje tem muito mais a ver com a conta de comércio exterior. Tanto que, na época, o BC e o Ministério da Fazenda utilizaram instrumentos inclusive de restrição à entrada de capitais, medida que até pode ser tomada hoje, mas não acredito ser muito efetiva.

A queda maior nos juros pode frear a valorização do real?

Acho que algum efeito terá, mas não será muito importante. Nem acho que vá reverter essa tendência, que vem de alguns anos. O BC tem resistido bravamente, tem comprado muito câmbio, operado com derivativos intensamente. Coisas que eu lembro que, nos primeiros anos depois da flutuação cambial, se dizia que o BC não deveria fazer.

Mas não está surtindo muito efeito.

Acho que sim. Não se trata propriamente de fazer a intervenção para evitar que caia abaixo de R$ 2. Não há meta para a taxa. Se o BC não estivesse intervindo, posso assegurar que a taxa já teria caído abaixo de R$ 2.

O câmbio real está mais baixo que na sua época?

Acho que sim, mesmo medindo-se com o preço ao consumidor. Fazendo a deflação pelo preço no atacado, não tenho dúvida, já passou o câmbio real da minha época.