Título: As misérias da política nacional
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 23/05/2007, Notas e Informações, p. A3

O que menos importa a esta altura dos desdobramentos da Operação Navalha é o destino pessoal do engenheiro Silas Rondeau, o fidelíssimo afilhado político do senador José Sarney, a quem deve a ida para o Ministério de Minas e Energia, numa indicação compartilhada com o atual presidente do Senado, Renan Calheiros. O mais graduado suspeito, no âmbito do Executivo, de participar da máfia tentacular identificada pela Polícia Federal, Rondeau teria recebido da Construtora Gautama, do agora notório Zuleido Veras, propina de R$ 100 mil por tê-la ajudado a vencer uma licitação viciada no programa Luz para Todos. O seu afastamento do cargo era previsível desde a primeira hora, apesar das suas juras de inocência em relação a ambas as acusações.

O que importa são duas questões que incidem diretamente sobre as misérias da política nacional. Uma diz respeito ao ¿preço¿, como disse o presidente Lula na entrevista coletiva da semana passada, das alianças formadas para ganhar eleições e dar ao vencedor maioria parlamentar. Outra é a das reações corporativas no Senado ao escândalo que levou à berlinda os nomes de sete dos seus atuais ou ex-integrantes, além de assessores, por alguma forma de conexão com o empreiteiro inescrupuloso. Em relação ao primeiro ponto, está em jogo a responsabilidade objetiva do governante, qualquer que seja e em qualquer instância federativa, pela conduta dos seus principais auxiliares, quando indicados pelos partidos da aliança, na costumeira partilha dos cargos mais cobiçados da administração.

Na citada entrevista, Lula também disse: ¿O presidente da República não governa com as forças que (sic) gostaria de governar. Ele governa com as forças vivas que compõem as organizações políticas da sociedade civil e dos partidos políticos. Isso vale para um prefeito, vale para um governador e vale para o presidente da República.¿ Vale lembrar que eles sabem sempre por que ¿as forças vivas¿ - ou vivíssimas - preferem certos cargos a outros, de mesmo nível. É pela projeção política própria da função, a quantidade e qualidade dos favores que permite distribuir à cupinchada e pela amplitude proporcionada ao toma-lá, dá-cá com fornecedores de bens e serviços ao setor público, fontes inestimáveis de contribuições eleitorais por cima ou por baixo dos panos. Em suma, o poder como investimento.

Ciente disso, Lula não poderia desconhecer que o ¿preço¿ que lhe tocaria pagar variaria na razão direta do tamanho do seu governo de coalizão - o que abre, por si só, o apetite dos coligados - e da formidável escala do loteamento da cúpula do aparelho administrativo. Não poderia alegar, portanto, nem que não terá nada com o que possam aprontar os indicados dos partidos, nem tampouco, quando aprontarem, que foi traído, nem mesmo, enfim, que aceitou nomeá-los porque, ao passar pelo crivo dos órgãos de informação do governo, os seus currículos não revelaram, nas entrelinhas, prontuários e folhas corridas. Na mesa do presidente americano Harry Truman havia uma placa: The buck stops here. ¿É comigo mesmo¿, em tradução livre. Aos 5 meses incompletos do segundo mandato, Lula tem tempo para se inspirar nisso, antes que um próximo escândalo torne a apanhá-lo desprevenido.

Já a segunda questão de relevo mencionada no início deste texto - a convergência suprapartidária dos senadores, em causa própria - é de enrubescer até um Zuleido. Diante da iniciativa de dois deputados do PPS e do PSB, dois dos nove partidos feridos pela lâmina da Polícia Federal, por uma CPI mista sobre o escândalo, o líder do DEM (ex-PFL) no Senado, Agripino Maia, proclamou que ¿a crise é do Executivo e não devemos trazê-la para cá¿. Como se ela não tivesse um forte componente legislativo embutido nas emendas parlamentares ao Orçamento. São peças essenciais na cadeia produtiva das falcatruas que começam com a escolha das obras a realizar, passam por licitações viciadas e contratos superfaturados, continuam na labuta para a liberação das verbas e culminam com o dinheiro sujo que as Gautamas distribuem aos políticos e aderentes pelos excelentes serviços prestados.

No momento, a CPI pode ser prematura. Mas o lavar de mãos dos aflitos senadores é nada menos do que um escândalo dentro do escândalo.